Câmeras corporais esclarecem casos para os dois lados, dizem prefeita e chefe da polícia de ferguson

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ella Jones, a primeira mulher e pessoa negra escolhida para comandar a cidade de Ferguson, no estado americano do Missouri, foi eleita em 2020, poucos dias após a morte de George Floyd por policiais brancos em Minneapolis, caso que gerou uma onda de protestos antirracistas em todo o mundo. Ferguson também foi palco de grandes atos. Em 2014, quando Michael Brown, 18, foi morto durante uma abordagem policial, atos por maior transparência na ação dos agentes duraram quase 20 dias e levaram à abertura de uma investigação federal que concluiu haver um viés racial na atuação da força local. A solução encontrada foi um acordo entre a União e a cidade que exige o cumprimento de normas de conduta policial e de uso da força, além de utilização de câmeras corporais, reforma do processo de recrutamento e um novo modelo de policiamento, mais próximo à população -defendido por Jones e pelo chefe da polícia local, Frank McCall, como caminho para a implementação das mudanças exigidas. O chamado decreto de consentimento é um dispositivo judicial em que as partes envolvidas requisitam à Justiça a possibilidade de entrar em um acordo, supervisionado pelo tribunal, que exige a implementação de determinadas ações e mudanças por parte do réu, evitando assim a realização de um julgamento. O instrumento tem sido usado pela União desde os anos 1990, quando uma nova legislação passou a permitir ao Procurador-Geral investigar e processar agentes de segurança em caso de “padrões e práticas de conduta” que atentassem contra direitos. Restrições aos decretos de consentimento foram impostas durante o governo Trump e dificultaram seu uso, mas elas foram retiradas em 2021, já na gestão Biden.

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PERGUNTA – O que mudou em Ferguson desde a morte de Michael Brown e em relação à reforma policial?

FRANK MCCALL – Passamos a trabalhar junto com a comunidade em vez de tentar policiá-la.

Temos recebido ideias e sugestões dos residentes e de envolvidos no trabalho e aprendemos a importância do diálogo para a compreensão das necessidades da comunidade.

Quando cheguei ao departamento, em 2016, fui o primeiro coordenador do decreto de consentimento para o departamento de polícia, depois me tornei chefe-assistente e agora sou chefe do departamento, então pude ver o progresso em relação à regulação.

O dever de franqueza, de relatar condutas erradas, de facilitar investigações, entre outros, são fatores que não existiam em muitos órgãos da polícia antes de 2014. Temos trabalhado muito para atualizar as políticas de uso da força, e a aplicação da lei tem evoluído. Hoje focamos ações na diminuição do uso de força, em oposição à elevação dela, como ocorria anos atrás.

Também temos feito treinamentos sobre vieses na ação policial para entender melhor a população que servimos.

Fizemos treinamentos conjuntos com a população, que também percebe ter vieses.

Entendemos que essa questão não é sobre reciclagem do aprendizado [da polícia], mas sobre desaprender o que foi ensinado e, então, treinar novamente.

ELLA JONES – Desde a morte de Brown, a polícia mudou bastante, e a composição do governo, também. Em 2014, tínhamos uma pessoa negra na Câmara local. Hoje temos três [Ferguson tem seis vereadores].

P. – Críticos apontam que o ritmo da reforma de polícias é mais devagar que o necessário, e alguns estados têm até tornado mais difícil a responsabilização de agentes nos últimos anos.

FM – Aprendi que tudo depende de onde você está, não é uma questão de falta de esforços.

Temos o decreto de consentimento e somos uma cidade pequena, não uma metrópole, então temos menos recursos.

Certas ações podem demorar mais para terem efeito do que outras, mas somos bem-sucedidos em alcançar esse tipo de relação mais próxima com a população também porque somos menores. O diálogo é cara a cara.

EJ – Concordo, leva tempo para implementar o que temos feito e o que planejamos fazer. Desenvolvemos um novo modelo de polícia, no qual o departamento pode interagir mais com a população do que no passado. Também leva tempo para desaprender comportamentos e chegar a um novo modo de pensar.

P. – Antes de Brown houve casos similares, depois Floyd e agora Tyre Nichols, morto por cinco policiais negros.

O que acontece com a formação dos agentes que parece perpetuar esse tipo de comportamento?

FM – Não consigo apontar uma razão específica, mas o que posso dizer é que não é certo e nunca deveria acontecer. Mancha tudo o que temos feito.

É imperativo que comunidades e instituições, não apenas forças policiais, garantam que tenhamos pessoas adequadas servindo a cidade.

Em casos como os de Nichols e Floyd houve abuso de autoridade, e isso coloca uma sombra sobre todos que trabalhamos de modo correto. Dependerá de nós trabalhar duro para recuperar a confiança.

No Brasil há certa resistência à adoção de câmeras corporais, apesar da diminuição da letalidade policial onde o equipamento foi usado. Como avaliam esse instrumento?

FM – As câmeras são um ativo. Ao contrário da crença popular, em vez de simplesmente apontar indivíduos que fizeram algo errado, o que as câmeras têm feito é esclarecer incidentes.

É questão de transparência. Elas também deixam pessoas que ficariam desconfortáveis com abordagens policiais mais tranquilas e relembram ao agente seu dever de servir a população. As forças policiais de modo geral apoiam as câmeras corporais.

Elas os deixam mais à vontade do que no início de sua implementação porque muitos deles foram salvos em diversas situações por imagens que provaram

EJ – Desde o assassinato de Brown, criamos um conselho pelo qual qualquer pessoa que tenha alguma queixa sobre uma abordagem policial ou detenção pode falar diretamente com o chefe de polícia para ter acesso a imagens sobre o ocorrido. Isso faz toda a diferença, porque pode livrar um agente de suspeitas e mantém todos envolvidos honestos, porque sabem que há uma câmera ligada.

Quais são os próximos passos em que a cidade tem trabalhado em termos de reforma da polícia?

EJ – Vamos continuar treinando agentes da maneira correta e seguir agindo de acordo com o decreto de consentimento. Vamos continuar criando uma relação forte com a comunidade porque, quando temos policiais visitando bairros apenas para dialogar, as pessoas se sentem mais tranquilas para chamar esse agente e informá-lo o que está ocorrendo. FM Nosso departamento de polícia nunca foi tão diverso, com o maior número de policiais negros de sua história, a maioria mulheres negras. Para servir melhor uma comunidade precisamos conhecê-la melhor, falar a mesma língua. Comunicação é a chave.

Autor(es): GUILHERME BOTACINI / FOLHAPRESS

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