Debussy é interpretado em concertos de esplendor no Municipal e na Sala SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Seria estapafúrdio o desenho de um fauno entre as musas que dançam o ciclo da vida na cúpula do Theatro Municipal. O ser da mitologia romana é metade homem, metade bode e ostenta chifres imensos sobre a cabeça. Ele é feio: seu corpo não tem a qualidade cerúlea das moiras representadas naquela pintura de autor desconhecido.

Em 1894, o compositor francês Claude Debussy elegeu a flauta para elaborar a imagem sonora da criatura. Com o “Prelúdio à Tarde de um Fauno”, agora executado pela Orquestra Sinfônica Municipal, Debussy inaugurou a música moderna, se inspirando no poema “À Tarde de um Fauno”, publicado em 1876 por Stéphane Mallarmé.

Na obra, o personagem toca a sua flauta, tentando seduzir as náiades escondidas nos bosques idílicos. Mallarmé até tentou transformar o poema em uma peça teatral, mas as instituições parisienses julgaram ser impossível encenar o que não havia ação.

Somente a modernidade de Debussy resolveria o impasse. No crepúsculo do romantismo, as horas do relógio correram ainda mais fugazes para os ouvintes, e a nota na partitura correspondeu à palavra de um verso de Mallarmé: um lance de dados ao léu, vocábulo que vale por si, tal como nota soando no instante musical, sem antes e depois.

Tentando “passar a impressão geral do poema”, Debussy desarticulou o esquema clássico de rememoração e expectativa, identificado pelos estetas da música alemã. Desenhado pela flauta, o tema do fauno é repetido ao paroxismo sem seguir uma ordem justaposta. Ao contrário, a linha melódica almeja alcançar, ela própria, a dimensão totalizante da música, escondendo o naipe de cordas no trabalho de orquestração.

A americana JoAnn Falletta foi convidada para reger a Orquestra Sinfônica Municipal. Considerada uma das 50 maiores regentes vivas pela revista britânica Gramophone, Falleta é diretora musical da Orquestra Filarmônica de Buffalo e está pela primeira vez no Brasil. Ela se diz encantada com o conjunto paulistano.

“Ouvi a orquestra e acho que os músicos têm uma ótima noção cromática. Para o repertório francês, é preciso pensar como um pintor impressionista diante de uma tela em branco”, diz ela, em voz baixa, pedindo desculpas por não saber falar português. No programa, constam ainda o “Concerto Para Violino”, de Samuel Barber, “La Valse”, de Maurice Ravel, e “La Mer”, outra obra de Debussy, composta em 1905.

“La Mer” não é uma sinfonia ou um poema sinfônico. O compositor definiu a obra como “três esboços sinfônicos”, atribuindo títulos descritivos para cada um dos três movimentos: “Do Nascer do Sol Ao Meio-Dia”, “Jogo das Ondas” e “Diálogo do Vento e do Mar”. Na época, ele exigiu ainda que o editor estampasse “A Grande Onda de Kanagawa”, do mestre japonês Hokusai, na capa da partitura. Desde então, a cor azul ficou associada à sua música melancólica.

Monumento musical, “La Mer” é uma obra-prima. Ecoando Homero, Debussy vislumbra um pensamento metafísico, em que o mar -de perigos, sortilégios e vícios- representaria os dilemas existenciais da vida. Tecido pela harpa em dedilhado, o pano de fundo sonoro tensiona sua costura com duas flautas e um piccolo, que funcionam como peixes brilhando no fundo do mar.

“O mais importante para Debussy não era o mar em si, mas a memória do mar. Por isso, ele saiu do litoral e se refugiou na serra para escrever essa obra”, conta Falletta.

Neste fim de semana, a paisagem impressionista se completa com um recital, na Sala São Paulo, do renomado pianista francês Jean-Efflam Bavouzet. O programa se articula num jogo de armar entre peças de Debussy, entremeadas por composições de Frédéric Chopin e Pierre Boulez. O músico abre o recital, que integra a Festa Internacional do Piano, com a “Balada Eslava”, composta por Debussy em 1890.

“Preciso estar apaixonado por essa peça para conseguir uma boa interpretação, é uma construção terna, poética e muito nostálgica”, diz Bavouzet, artista em residência no Wigmore Hall, de Londres, uma das salas de música de câmara mais importantes do mundo.

Chopin, Debussy e Boulez têm três concepções distintas sobre o tempo. O pianista, no entanto, uniu no ciclo as diferentes temporalidades, como se os três artistas fizessem parte de um mesmo mundo. Ídolo de Debussy, Chopin será lembrado na “Balada nº 2”, na “Mazurka nº 19”, na “Valsa nº 2” e em sua “Tarantela”. De Boulez, estudioso da obra de Debussy, serão executadas as “Doze Notações”.

“Existem duas faces de Debussy no programa, uma atrelada a Chopin e outra à modernidade”, afirma Bavouzet. “Tecnicamente, Debussy aprendeu com Chopin a capacidade extraordinária de usar os pedais para gerar os efeitos de ressonância no piano.” A herança romântica no impressionismo será percebida na “Mazurka”, na “Valsa Romântica”, na “Tarantela Estiriana” e em seus “Estudos”, dedicados ao compositor polonês.

Compostas em diferentes períodos, as peças para piano solo só poderiam existir no pensamento de Debussy. São frestas no espaço que dialogam com a história da arte e ecoam vozes de ninfas, dríades e náiades. Sua música aponta para o presente, tempo dos faunos que somos nós, e, prescindindo do som, repousa -em toda a parte- no silêncio das horas.

DEBUSSY NO MUNICIPAL

Quando sex. às 20h e sáb. 17h

Onde Theatro Municipal – Pça. Ramos de Azevedo s/n

Preço De R$ 12 a R$ 64

Classificação Livre

DEBUSSY NA SALA SÃO PAULO

Quando Dom. 18h

Onde Sala São Paulo – Pça. Júlio Prestes, 16

Preço De R$ 39,60 a R$ 143

Classificação Livre

Autor(es): GUSTAVO ZEITEL / FOLHAPRESS

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