Fora do Sahy, moradores contam com doações e criticam ausência de autoridades

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O motorista de ônibus Alex Santos, 42, diz que retirar a porta da sala de casa um dia antes da chuva foi um “sinal divino”. A torrente de lama que chocou três carros e duas motocicletas contra a laje vizinha passou pelo buraco aberto em direção à rua no temporal que devastou a cidade de São Sebastião (SP) no Carnaval e matou ao menos 65 pessoas.

“Só por isso não derrubou [a casa], porque não subiu a lama dentro dos cômodos, ou ia levar tudo”, afirmou.

Santos mora na Vila Tropicanga, local mais elevado e próximo de encostas da região da praia de Boiçucanga.

Ele conta que a ideia era trocar a porta, e por isso ele havia retirado a estrutura e coberto a janela da sala com um tapume. “É Deus. Avisa, a gente dá ouvido e faz.”

A imagem da residência vizinha, dez dias depois do temporal, dimensiona a violência da correnteza. Do lado oposto à casa de Alex passa um córrego, que carregou entulhos e os veículos até a parede do lado de fora.

Há dois carros espremidos por lama, galhos e troncos de árvore, restos de colchão e utensílios domésticos. Não é possível ver o terceiro carro e as duas motos, soterrados.

Do lado de dentro, a laje caiu sobre a garagem, onde há um automóvel sob os escombros e um rombo para a sala, por onde a lama vazou.

Na parede à frente do carro ficava o quarto de dois dos seus três filhos, de sete e dez anos. “Como fiz curso de resgate com os bombeiros, fui alternando e falando com um e outro até achá-los, porque a parede caiu e separou os dois, um de cada lado do quarto”, diz.

Ele resgatou todos filhos e, depois da tragédia, já voltou para a casa. Ele diz acreditar que a estrutura está segura e que um geólogo voluntário, chamado pela prefeitura, não achou rachaduras ou indícios de desabamento. “Eu já disse que não saio daqui. A gente busca água, busca comida, já consegui colchão, e não saio daqui, porque não vão me dar solução”, afirmou.

Ele perguntou aos amigos, que viam uma máquina da prefeitura retirar o barro, se alguma autoridade havia aparecido. “Veio prefeito, secretário, dizer o que vai acontecer, Genivaldo?”, disse. O amigo respondeu que não.

Procurada nesta quarta (1º), a Prefeitura de São Sebastião não se manifestou até a publicação neste texto.

Disse ainda que não pode reclamar porque tem contado com o apoio dos colegas de trabalho, que doaram dinheiro, e da vizinhança. “Nordestinos, né? A gente se ajuda.”

A população afetada no bairro tem recorrido a doações recolhidas na escola Professora Guiomar Aparecida da Conceição Sousa, da rede municipal.

Lucas, que não quis informar o sobrenome à reportagem, disse que não recebeu visita de agentes da Defesa Civil nem de assistência social. “Nem na minha irmã, que mora naquela casa ali”. Ele apontava para um imóvel na beira do barranco. “Veio o pessoal da Defesa Civil limpar aqui embaixo. Agora, os militares.”

Ele observava agentes da Marinha limparem o local -o que consiste em retirar a mistura de barro e entulho da rua e colocá-la em um caminhão para descarte.

Quem também acompanhava a limpeza era José Meneses, 58. Ele disse que escapou por segundos de ser atingido pela terra, e que ali havia um pequeno campo de futebol.

Na noite de 18 de fevereiro, Meneses voltava para casa junto com a mulher debaixo de chuva, após acudir a filha, que mora na parte baixa de Boiçucanga.

“Tentamos ajudar, mas a água tomou a casa e ela subiu pra laje. Não havia o que fazer”, afirma. “Logo que passei pelo campo e subi a escada para nossa casa, ouvi o estrondo. Só Deus mesmo.”

Ele perdeu um automóvel, que estava estacionado ao lado de casa quando a lama caiu e cobriu o campo.

“Era um Golzinho bom, fez no total 11 viagens à Bahia, porque eu sou de Itabuna, e nunca deu problema. E agora acontece isso. Mas, graças a Deus, isso a gente recupera”.

Meneses e a família estão de mudança. Antes da chuva, ele havia aceitado uma proposta para trabalhar como caseiro em uma pousada na Jureia, perto de Juquehy, também em São Sebastião.

Ele se despediu e foi ajudar a família a colocar os móveis no caminhão.

Autor(es): LUCAS LACERDA / FOLHAPRESS

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