Entenda como os cogumelos alucinógenos conquistaram o público da noite paulistana

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A primeira vez foi durante um show de música experimental na Associação Cultural Cecília, um misto de bar e balada na Barra Funda, na zona oeste paulistana. A segunda, numa festa dedicada a David Bowie no Cine Joia, casa de shows na Liberdade. A terceira, num rolê de house music no bar Alto, novo point descolado da Vila Madalena.

Nessas três festas em diferentes regiões de São Paulo, com propostas e públicos totalmente distintos, havia algo em comum –e não era a bebedeira de cerveja. Frequentadores de 30 anos ou mais aproveitavam a socialização com amigos e a música alta para comer cogumelos alucinógenos.

De repente, alguém tirava do bolso um saquinho metalizado em formato retangular, rasgava a parte de cima e despejava na palma da mão pequenas lascas de cogumelo. Depois de ingerir algumas, guardava o papelote. O ritual se repetia de meia em meia hora.

Para quem frequenta a noite de São Paulo, conhecida por seu caráter libertário, a impressão é a de que o uso desse fungo comestível rico em uma substância alucinógena chamada psilocibina ficou muito mais popular nos últimos meses, embora ele já fosse consumido antes, mais discretamente.

Além do boca a boca, outros fatores contribuem para o sucesso de público. O cogumelo desidratado, pronto para o consumo, é vendido em sites que entregam em 24 horas em São Paulo, em uma embalagem discreta e sem remetente. O preço é convidativo, com pacotinhos a partir de R$ 25 na Cogumagic, uma das lojas populares. Os saquinhos são pequenos, fáceis de transportar no bolso.

Na noite, o papo que rola é que o cogumelo é uma substância leve, ou seja, a chapação só vai ser forte se quem usa consumir mais de um saquinho. Um jovem descreveu a viagem de psilocibina como ter pés de algodão, deixando mais gostoso dançar house na pista.

Um outro fã dos cogumelos, um rapaz de 28 anos, conta sentir bem-estar e euforia ao comer –ele diz ficar alegre nas festas, mas sem perder o controle, ao contrário de quando bebe. Em comparação à maconha, que o deixa introspectivo e letárgico, a psilocibina facilita a interação com os amigos, ele conta.

Por outro lado, o rapaz diz que o efeito do cogumelo muda quando ele está em situações mais reservadas, como numa reunião de amigos em seu sítio, ocasião na qual afirma sentir uma brisa mais sensitiva e visual, dois efeitos comumente associados ao psicodélico. Ele relata ficar cerca de três horas viajando, e que praticamente não há ressaca no dia seguinte.

Cogumelo mágico mais popular do mundo, o tipo Psilocybe cubensis nasce no esterco da vaca e é encontrado em todo o Brasil, em países da América Latina, na Europa e na Ásia.

O fungo voltou ao debate público por causa das pesquisas científicas com as microdoses de psilocibina, que prometem diminuir a ansiedade e melhorar a depressão, e também devido ao sucesso da série documental da Netflix “Como Mudar Sua Mente”, sobre os fins terapêuticos de substâncias psicodélicas.

A facilidade de acesso e o consumo aberto nas festas dão a entender que o psicodélico natural é legalizado, mas o cenário não é bem esse.

Embora o cogumelo em si não seja proibido, porque ele nasce no esterco, a psilocibina, seu componente alucinógeno, está na lista da Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, de substâncias banidas no Brasil, no mesmo documento que veta a cocaína e a heroína.

Segundo a agência, nenhuma atividade com o cogumelo é legal no país, com exceção apenas de atividades de pesquisa em órgãos e instituições autorizadas. Por outro lado, a Anvisa afirma não ter a responsabilidade de fiscalizar o comércio do cogumelo, já que ele não se enquadra nas categorias controladas pelo órgão –comestíveis, insumos farmacêuticos e medicamentos.

A ausência de regulação beneficia o comércio na internet. Alguns sites associam os cogumelos a um discurso místico e de autoconhecimento, enquanto outros apelam para seu uso ritualístico em comunidades no interior do México.

Embora o papo de vendedor varie, todas as lojas procuram se distanciar do uso recreativo, afirmando que seus produtos são amostras para estudos de botânica ou colecionismo, não para consumo.

Nas redes sociais desses mesmos sites, contudo, a fachada cai. No perfil no Instagram de um das lojas mais conhecidas, Natureza Divina, um post sugere cogumelos como um item de Carnaval tão indispensável quanto a fantasia, a água e o filtro solar. Outra postagem anuncia uma versão especial, “gourmetizada”, coletada no esterco do “búfalo rosa da Tailândia”.

Enquanto o consumo de cogumelos nas festas serve para potencializar a diversão, na medicina suas utilidades são outras. O médico Cesar Camara criou o Instituto Alma Viva para realizar pesquisas em que a psilocibina atua para aliviar o medo da morte em pacientes com câncer, um tratamento desenvolvido com base num protocolo da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e mostrado na série “Como Mudar Sua Mente”.

Nessa experiência, feita com autorização legal e em um ambiente terapêutico, o paciente ingere uma dose grande de cogumelo seco processado em laboratório, ou seja, livre de contaminantes, para atingir o estado de dissolução do ego. Isso significa que ele vai poder reprogramar uma região do cérebro vinculada ao humor e envolvida em quadros depressivos, afirma Camara.

Na série da Netflix, pessoas submetidas a esse tratamento, que nunca antes tinham tido contato com cogumelos, afirmaram poder se enxergar de fora e ressignificar traumas, e isso melhorava a qualidade de suas vidas depois de uma única dose. Os efeitos positivos, dizem os personagens, duram meses.

Autor(es): JOÃO PERASSOLO / FOLHAPRESS

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