Livro amarra milenar história da China sem cair no essencialismo cultural

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Parece haver algo de inerentemente intimidador na trajetória histórica da China, ao menos para quem cresceu tendo a impressão de que a história do Ocidente é a única “história universal”.

Para quem não tem ideia de por onde começar a entender as origens e o desenvolvimento do país, um livro do historiador e documentarista britânico Michael Wood que chegou recentemente ao Brasil pode funcionar como um precioso fio da meada.

À primeira vista, “História da China: O Retrato de uma Civilização e seu Povo” parece uma daquelas obras complicadas que são, ao mesmo, longas e curtas demais. As mais de 600 páginas do livro estão longe de funcionar como uma leitura casual, claro, mas também é possível argumentar que é pouca coisa para cobrir mais de 3.000 anos de história registrada. Alguma superficialidade se torna inevitável.

Wood contorna essas limitações com estratégias complementares. Primeiro, não cai na tentação de detalhar o que aconteceu no reinado de cada um dos imperadores que dominaram a China.

Em vez disso, escolhe algumas figuras emblemáticas de cada período -nem sempre monarcas, mas também filósofos, poetas e mercadores de ambos os sexos- para biografar, enquanto narra, com grandes pinceladas, as tendências que moldaram as dinastias imperiais e a China pós-monárquica do século 20.

Em segundo lugar, o historiador tem o cuidado de amarrar essa trajetória complicada analisando as tendências que parecem se repetir em diversos momentos da história chinesa -a parte que corresponde ao “retrato de uma civilização” do subtítulo do livro.

O risco embutido nesse aspecto é descambar para o essencialismo cultural. Ou seja: dar a entender que existiria algo de imutável e completamente distinto do Ocidente na história chinesa. Em geral, Wood consegue escapar da armadilha, sem deixar de ressaltar o que há de específico na história dos povos que deram forma à China.

Nessa lista de especificidades, um elemento central é a continuidade com o passado remoto, apesar das tremendas mudanças trazidas pela modernidade e pelo fim da China imperial. Cerimônias e crenças que surgiram na Idade do Bronze ainda estão presentes no cotidiano de centenas de milhões de chineses.

Segundo as intrigantes analogias de Wood, é como se os gregos de hoje ainda oferecessem sacrifícios aos deuses do Olimpo e aos heróis da guerra de Troia enquanto usam smartphones e viajam de trem-bala. Ou como se como o Egito faraônico tivesse sobrevivido como nação independente até cem anos atrás.

Outro elemento enfatizado é a tendência à unificação e centralização política, que emergiu séculos antes do início da Era Cristã por meio da ideologia do Mandato do Céu -a ideia de que um único poder central terreno recebia dos poderes celestiais a legitimidade para governar todos os que vivem “sob o céu”.

A China se fragmentou territorialmente diversas vezes desde que a ideologia do Mandato do Céu surgiu, mas as forças promotoras da reunificação sempre prevaleceram.

No pano de fundo desses processos, duas visões bastante distintas contribuíram para as idas e vindas da política e da cultura chinesa. Há o que Wood apelida de humanismo confucionista, um ideal formulado inicialmente pelo pensador Confúcio (nascido em 551 a.C.) e que tinha entre suas bases a máxima “não façais aos outros o que não quereis que vos façam”. E, por outro lado, desenvolveu-se uma tradição de realismo político que enxergava a imposição da ordem como o bem supremo, mesmo que por meio de leis draconianas e do terror estatal.

Se essas ideias talvez remetam o leitor a estereótipos sobre a cultura chinesa, a narrativa de Wood demonstra claramente que a abertura da China ao mundo foi muito mais a regra do que a exceção.

As conexões diplomáticas e culturais do país com o resto da Ásia por meio da Rota da Seda transformaram o território chinês num centro essencial para a evolução do budismo, do islã e até do cristianismo nestoriano, uma corrente teológica que surgiu no Império Romano do fim da Antiguidade e floresceu por séculos do outro lado da Eurásia.

Outro elemento aparentemente constante da história chinesa é a tradição de mobilização popular, com revoltas camponesas que chacoalharam os diversos regimes ao longo dos milênios, mostra Wood.

Embora o país hoje abrigue um dos Estados mais politicamente centralizados de sua história, num processo auxiliado pela capacidade de vigilância virtual que a internet proporcionou, não se pode descartar que as transformações venham dessas bases, como em outros momentos do passado.

Índice do Conteúdo

HISTÓRIA DA CHINA: O RETRATO DE UMA CIVILIZAÇÃO E SEU POVO

Preço R$ 89,91 (ebook)

624 págs

Autor Michael Wood

Editora Crítica

Avaliação Ótimo

Autor(es): REINALDO JOSÉ LOPES / FOLHAPRESS

Sobre o autor da postagem:

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