BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Os alvos de bloqueios de bens ordenados pela Justiça Federal após os atos golpistas de 8 de janeiro se queixam de dificuldades para pagar tratamentos de saúde e para receber pensão alimentícia de crianças.
Em um dos casos, há até queixa de que um veículo de um proprietário não envolvido nos atos acabou bloqueado por engano.
As manifestações constam de processo em que a AGU (Advocacia-Geral da União) solicitou o bloqueio de bens de suspeitos de financiarem fretamento de ônibus para participarem dos atos golpistas. O objetivo é garantir o ressarcimento dos danos que as depredações causaram aos cofres públicos.
A AGU apresentou no total sete ações entre elas a dos supostos financiadores dos ônibus que pedem o bloqueio de R$ 26,2 milhões. Os alvos são 250 pessoas, três empresas, uma associação e um sindicato. A AGU faz a representação jurídica do governo.
Essa é a estimativa dos danos causados ao patrimônio público com a depredação dos edifícios dos três Poderes no momento dos ataques golpistas.
Os indivíduos que tiveram seus bens bloqueados não necessariamente foram denunciados criminalmente por terem participado das depredações ou instigado os atos de 8 de janeiro. A Justiça já ordenou desbloqueios em alguns casos.
A AGU teve acesso neste mês aos processos criminais em curso no STF (Supremo Tribunal Federal), sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. O órgão afirma que está analisando as informações para promover novas ações com pedidos de reparação de dano.
Pessoas apontadas pela AGU como financiadoras dos atos têm apresentado manifestações de defesa na ação que trata de suspeitos de fretarem ônibus para irem aos atos em Brasília.
Parte dos casos envolve pessoas que pedem urgência no desbloqueio de bens para evitar maiores prejuízos causados pelas restrições.
Em maio, a defesa de Sandra Nunes de Aquino, 51, pediu urgência na revisão do seu caso. O motivo é que ela havia feito uma cirurgia para retirar um tumor no cérebro.
“Até o momento não se tem certeza da malignidade, embora haja indícios”, diz a defesa. “[Ela está] recém operada, com mais de 40 pontos na cabeça e sem um real de seu pagamento, sem ao menos ter condição de comprar seus medicamentos”, afirma.
“A sua conta salário continua bloqueada, e o seu sustento, e manutenção diária está sendo realizada por terceiros caridosos, e esta situação não pode mais perdurar”, diz a advogada Syndoiá Stein Fogaça.
Há ainda situações em que os que tiveram bens bloqueados afirmam que usam a conta atingida para receber o dinheiro de pensão alimentícia para seus filhos.
Em outro caso, um revendedor de motocicletas afirma que comprou em outubro do ano passado, antes das eleições, a moto de Rieny Munhoz Marcula uma das acusadas de participar dos atos em Brasília.
Ele apresentou o recibo da compra no processo. No entanto, como sua moto ainda estava em nome de Rieny, ela acabou sendo bloqueada no processo.
A defesa reclama que até o momento ele “não pode realizar a venda da mesma [a moto] por conta das restrições inseridas, suportando mesmo prejuízo pois não pode transferir para terceiros e a mesma ficando parada em estoque”.
No geral, as pessoas que tiveram os bens bloqueados alegam que tinham ido a Brasília para uma manifestação pacífica, e que não foram os responsáveis pelo financiamento dos atos que depredaram os edifícios do Congresso, do STF e o Palácio do Planalto.
A defesa da aposentada Aparecida Zanini disse que o grupo que estava no ônibus não necessariamente participaria de manifestações, mas ia em uma excursão “em que alguns aproveitaram a oportunidade para conhecer a capital federal”.
A aposentada disse que acreditava ainda segundo a defesa que o 8 de janeiro era um evento que “seria realizado de forma mansa e pacífica”.
O contrato com a empresa de ônibus que foi a Brasília estava em nome de Aparecida, mas a defesa afirma que isso era uma exigência da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres); e que cada um dos passageiros pagou individualmente pela viagem.
“[Aparecida] nunca foi financiadora/patrocinadora de nada, sendo que sua aposentadoria de R$ 2.344, que se encontra bloqueada, quase não consegue patrocinar nem a si própria”, diz o advogado Gustavo Gottardi.
Procurada, a AGU diz que faz reconsiderações de pedidos quando o suspeito apresenta argumentações e provas. É o caso, por exemplo, de uma empresa de turismo que acabou retirada do pedido final de ressarcimento de danos à União por ter sido considerada apenas uma intermediária do fretamento de ônibus.
Segundo o órgão, a empresa comprovou a contratação e comprovante de pagamento do serviço pelo ex-policial Valfrido Chieppe Dias. Valfrido foi preso em 23 de janeiro pela Polícia Federal nas investigações dos atos golpistas.
“Dias passou a integrar o polo passivo da ação civil pública proposta pela AGU à Justiça Federal, em 3 de março último, com pedido de indenização de dano moral coletivo em razão da destruição do patrimônio público”, diz a AGU.
“O fato de a empresa ter sido excluída da ação não implica que ela não possa ser novamente incluída na demanda, caso novos elementos provem sua eventual participação nos eventos mencionados.”
Na ação que pede a condenação definitiva pelos danos aos cofres públicos, a AGU afirma que os suspeitos de participarem dos atos “possuíam consciência de que o movimento em organização poderia ocasionar o evento tal como ocorrido”.
Também afirma que os anúncios de convocação já faziam “referência expressa a desígnios de atos não pacíficos (ou de duvidosa pacificidade) e de tomada de poder, fato que demonstra uma articulação prévia ao movimento com finalidade não ordeira, sendo o financiamento do transporte um vetor primordial para que ele ganhasse corpo e se materializasse nos termos ocorridos”.
Autor(es): JOSÉ MARQUES / FOLHAPRESS