SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Diferentes provas inseridas na ação que pode tornar Jair Bolsonaro (PL) inelegível foram incluídas de ofício (sem pedido das partes) pelo relator da ação, o corregedor-geral eleitoral Benedito Gonçalves, que é também ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Em ações de investigação judicial eleitoral (Aijes), como a que Bolsonaro é alvo, a legislação eleitoral dá poderes mais amplos ao juiz, possibilitando atuação mais proativa, diferentemente da regra comum no Judiciário de que o juiz só age se provocado pelas partes.
No caso de Bolsonaro, por determinação do relator, foram incluídas transcrições de lives e entrevista à rádio Jovem Pan em 2021, ocasiões em que o então presidente fez alguns de seus principais ataques ao sistema de votação.
A defesa de Bolsonaro questiona as determinações do ministro do TSE, sob o argumento que teriam ido além do que seria possível com base nessas regras.
Na ação, também foram adicionados outros documentos provenientes de inquérito administrativo da corte eleitoral que apurava os ataques ao sistema eleitoral, como relatórios técnicos de equipe do TSE rebatendo trechos daquelas lives e íntegras de depoimentos.
“É possível, no caso em análise, extrair do discurso proferido por Jair Messias Bolsonaro em 18/07/2022 e das circunstâncias da realização e da divulgação do evento, o referencial para avaliar quais diligências são efetivamente relevantes ao deslinde do feito”, afirmou Gonçalves em decisão de março.
Durante a encontro com embaixadores de dezenas de países, Bolsonaro disse que basearia sua apresentação em um inquérito da Polícia Federal sobre um ataque hacker ao TSE no ano das eleições de 2018.
É a partir da citação ao inquérito da PF que Gonçalves justifica o elo com lives de Bolsonaro de 2021 e com inquérito administrativo em curso na corregedoria eleitoral, aberto em agosto daquele ano para apurar fatos que pudessem configurar, entre outras condutas, abuso de poder relacionados a “ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das eleições de 2022”.
O relator diz que as críticas dirigidas contra o sistema eletrônico de votação na reunião com os embaixadores tiveram a reiterada referência ao inquérito como fio condutor.
“Chama a atenção que o Inquérito da Polícia Federal no qual supostamente se basearia a alegação de fraude nas Eleições 2018 (e de não solução do problema) foi objeto de live realizada por Jair Messias Bolsonaro no ano de 2021”, escreve.
Ao apresentar a ação, o PDT incluiu cópia do vídeo em pen drive, além de links e prints de posts e textos na internet, e não solicitou produção de outras provas como oitiva de testemunhas e documentos extras. Mais tarde, em janeiro, o partido solicitou a inclusão da minuta de decreto de estado de defesa encontrada na casa de Anderson Torres, ex-ministro de Bolsonaro.
O artigo 23 da lei de inelegibilidade diz que o tribunal “formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios” e também “dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes”. A regra foi alvo de decisão no STF em 2014.
A defesa de Bolsonaro alega que, embora a lei das inelegibilidades, que estabelece os trâmites deste tipo de ação, “faculte ao relator a promoção de determinadas diligências probatórias”, diz que “não será crível suprir atuação deficiente do autor” da ação.
Diz ainda, com referência ao item da lei que permite a atuação do relator, que “esse dispositivo legal não elimina do mundo do processo as garantias clássicas das pessoas processadas nem detona os limites da atuação judicial, como se abrisse a sua porta ao ingresso de procedimentos indiscriminados”.
Em sua petição inicial, o PDT alega que Bolsonaro cometeu abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação social ao fazer o encontro com embaixadores.
A argumentação do partido é a de que houve desvio de finalidade na reunião, dado que o ataque à Justiça Eleitoral e ao sistema eletrônico de votação seriam parte da estratégia de campanha eleitoral do então presidente. O partido transcreve diversos trechos da fala de Bolsonaro no encontro.
Durante a tramitação, o relator levou algumas questões ao plenário, entre elas, a decisão sobre a inclusão da minuta golpista, solicitada pelo PDT, o que foi referendado pelos ministros. Na ocasião, também foi aprovada uma orientação dando guarida à inclusão de novos documentos na ação.
“Os limites objetivos da demanda abarcam os desdobramentos dos fatos originariamente narrados [na ação], a gravidade (qualitativa e quantitativa) da conduta que compõe a causa de pedir e a responsabilidade dos investigados e de terceiros” decidiu o plenário.
“Devendo-se atentar para as ‘circunstâncias relevantes ao contexto dos fatos, reveladas em outros procedimentos policiais, investigativos ou jurisdicionais ou, ainda, que sejam de conhecimento público e notório'”.
“A legislação eleitoral permite essa análise de provas não trazidas pelas partes”, diz Anna Paula Mendes, professora de direito eleitoral do IDP e coordenadora acadêmica da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).
Ela diz que o debate sobre as provas gira em torno da questão sobre se elas estão relacionadas ou não ao objeto da ação inicial do PDT.
“Uma ação por abuso do poder só vai ser julgada procedente, se houver a gravidade das circunstâncias”, diz. “Então essa vai ser a discussão. Isso está aumentando o objeto? Ou não: isso está relacionado ao objeto inicial e apenas me ajuda a dizer que houve gravidade?”, diz Anna Paula, que avalia que a relevância das provas vai no sentido de contextualizar a reunião com os embaixadores.
“Na Aije, esse tipo de protagonismo do Judiciário é autorizado. Em outra ação não seria, mas na Aije é. Há uma autorização expressa da lei reconhecida como constitucional pelo Supremo”, diz Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, ex-procurador regional eleitoral em São Paulo.
“Quando julgou o caso Dilma Temer, o TSE estabeleceu uma baliza. Você pode trazer provas novas de fatos que tenham sido incluídos na petição inicial e você não pode trazer fatos novos”, diz o procurador, que considera que a inclusão de provas pelo relator Benedito não contraria o precedente de 2017, pois avalia que os documentos teriam conexão com as falas de Bolsonaro descritas na ação do PDT.
Ao rejeitar a cassação da chapa de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), o TSE decidiu por maioria desconsiderar novas provas apresentadas após a ação ser protocolada. Essas provas apontavam outras suspeitas, relacionadas a caixa dois, contra os dois políticos.
Autor(es): RENATA GALF / FOLHAPRESS