Autores: Giovana Girardi.
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Três fatos importantes nesta semana que poderiam passar como coisas distintas deveriam ser observados sob a ótica do alerta que trazem para o tamanho da fragilidade da Amazônia. Em geral, eles foram apresentados no noticiário em diferentes caixinhas editoriais – economia, política, ciência –, mas todos poderiam ser resumidos na velha dicotomia entre crescimento econômico e proteção ambiental.
Era de esperar que a gente tivesse já passado dessa fase. Mas não.
O primeiro foi a divulgação, na terça-feira, de um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a negativa do Ibama ao pedido da Petrobras de prospectar petróleo na foz do Amazonas. A decisão do órgão ambiental, em maio, havia sido questionada pelo Ministério de Minas e Energia (MME), e o ministro Alexandre Silveira pediu que a AGU se manifestasse sobre o assunto.
A AGU argumentou que um dos pontos citados na decisão do Ibama – a recomendação para que fosse feita uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) na região – não é indispensável e não poderia impedir o licenciamento ambiental. E ainda resolveu colocar os dois lados da história no cantinho da sala para se conciliarem.
O Ibama negou o pedido da Petrobras porque ele tinha falhas. Ponto. Rodrigo Agostinho, presidente do órgão ambiental, justificou o indeferimento “em função do conjunto de inconsistências técnicas” no processo. Além disso, recomendou que fosse feita uma análise mais ampla da região, a tal AAAS, como uma ferramenta de planejamento para olhar toda a área de abrangência – onde há vários pedidos de perfuração.
“Nós nunca dissemos que [a AAAS] era condicionante”, reafirmou ontem a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante audiência no Senado. Ela criticou a ideia de conciliação. “Não existe conciliação para questões técnicas”, disse. “Não posso botar numa rodada de conciliação a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] para decidir, por decisão política, administrativa, se aquele remédio é tóxico ou não é tóxico. A mesma coisa são os processos técnicos de licenciamento do Ibama.”
O parecer da AGU gera um clima de pressão e politiza uma decisão que é técnica. E gera a impressão de que os interesses econômicos vão se sobrepor no grito. Não é uma questão de: “Ibama e MME, se entendam aí”. É de, tecnicamente, conseguir provar a segurança de um futuro empreendimento. O que a Petrobras ainda não fez.
Aqui estamos falando especificamente da análise de um pedido de licenciamento ambiental, mas a exploração de petróleo deveria estar sendo discutida em outra esfera, que é a decisão estratégica futura do país. Em que o Brasil vai querer apostar daqui pra frente. Ainda vai ser em petróleo? Vai ser petróleo na Amazônia?
O Equador acabou de tomar essa decisão. A população escolheu em plebiscito abrir mão desse recurso em prol da Amazônia, das pessoas que vivem na região, da biodiversidade e da segurança de todo mundo em prol de um futuro com menos mudanças climáticas. Aqui estamos muitos passos atrás.
Mas sigamos para o segundo fato da semana. Menos de 24 horas depois da divulgação do parecer da AGU, outro gol contra a Amazônia veio do mesmo Senado onde poucas horas antes Marina Silva era sabatinada. Nesse caso, o interesse econômico em jogo é dos ruralistas.
O projeto de lei que estabelece um marco temporal para a demarcação de terras indígenas foi aprovado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária e deve seguir agora, de acordo com o trâmite previamente estabelecido, para a Comissão de Constituição e Justiça. Na sequência, vai para o plenário.
Em entrevista à Agência Pública, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, contou os esforços que está fazendo para ao menos estender a tramitação. A ideia dela é colocar o texto para debate em mais comissões, numa tentativa de reduzir os muitos danos previstos no projeto. Além de criar o marco temporal, o PL que veio da Câmara traz uma série de pontos polêmicos que afetam os direitos dos povos indígenas.
Soninha não fala isso com todas as letras, mas a tentativa de alongar a tramitação é também uma estratégia de ganhar tempo para ver se o Supremo Tribunal Federal (STF) toma sua decisão sobre o marco temporal, o que se sobreporia ao PL.
Enquanto tudo isso estava se desenrolando, a poucas quadras do Congresso Nacional, na sede do Ministério da Ciência e Tecnologia, a pesquisadora Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apresentava dados preocupantes sobre o efeito que o desmonte ambiental promovido por Jair Bolsonaro teve sobre a Amazônia.
Sem controle por um lado e com incentivos a atividades agrícolas, garimpeiras e madeireiras por outro, o desmatamento e as queimadas aumentaram, tornando a floresta mais frágil. O resultado foi uma perda da capacidade de absorver gás carbônico (as árvores ficam menos hábeis em fazer fotossíntese), uma redução das chuvas e um aumento da temperatura.
E como desmatamento e queimadas, por outro lado, provocam emissões de CO2, o balanço ficou negativo. As emissões da Amazônia mais que dobraram (tiveram alta de 122%) em 2020, na comparação com o período de 2010 a 2018.
Gatti e mais 29 pesquisadores – a maioria do Brasil, de instituições como Inpe, UFMG e USP – publicaram o artigo na revista Nature ontem. Em 2021, Gatti e colegas já tinham mostrado como as áreas que mais foram desmatadas historicamente na Amazônia – em especial o leste da região, que já perdeu cerca de 30% da cobertura original – já emitem mais CO2 do que absorvem.
Esse trabalho de 2021 considerava os dados até 2018. Então eles resolveram ver como a não política ambiental da gestão passada impactou esse cenário. O novo trabalho focou nos dois primeiros anos do governo, e a constatação é que Bolsonaro teve o efeito de um El Niño para a Amazônia. Uma versão inicial do trabalho já tinha sido anunciada em setembro do ano passado em formato de pré-print, antes da avaliação dos pares. Agora ele foi publicado na Nature com a chancela de outros cientistas.
A comparação com o El Niño se dá porque o fenômeno que aquece as águas do oceano Pacífico tende a provocar secas na Amazônia. E não é com qualquer El Niño que se compara a ação de Bolsonaro, mas com o evento mais forte já registrado, nos anos 2015 e 2016, quando a floresta também teve alta emissão de CO2.
Mas em 2019 e 2020 não havia nenhum fator climático complicando as coisas. Foi ação humana mesmo, facilitada pela falta de controle do governo.
Fonte: Via apublica.org