Autores: Anna Beatriz Anjos.
DUBAI – Drue Slatter, uma jovem ativista de Palau, tinha os olhos cheios d’água enquanto falava em frente ao centro de imprensa da 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas (ONU), a COP28, na noite de segunda-feira (11). Ela descrevia sua frustração diante do enfraquecimento da decisão sobre o fim do uso de combustíveis fósseis, o ponto mais importante e disputado desta rodada de negociações, às vésperas de seu término, marcado para hoje (12).
Um novo rascunho havia acabado de ser divulgado sem mencionar explicitamente a eliminação gradual das fontes fósseis de energia – o chamado phase out, em inglês – além de estender o prazo para 2050 para que as emissões alcancem o zero líquido (em que as emissões remanescentes sejam compensadas por atividades que removam CO2 da atmosfera).
Para seu país, um arquipélago de ilhas no oceano Pacífico, o compromisso com o fim da queima de petróleo, carvão e gás, os grandes causadores do aquecimento global, é uma questão de sobrevivência. Por isso, a perspectiva de não se alcançar um acordo nesses termos é “uma sentença de morte para o Pacífico”, disse Drue à Agência Pública. “O compromisso para fazer o phase out dos combustíveis fósseis parecia alcançável e agora não está mais no texto. Isso é extremamente decepcionante.”
Minutos antes, Cedric Schuster, presidente do Aosis – a aliança de 39 pequenos Estados insulares localizados no Caribe, África, Ásia e oceanos Pacífico e Índico –, havia dado um duro recado sobre o texto a jornalistas apinhados do lado de fora da sala de imprensa no imenso centro de convenções onde ocorre a conferência, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
“Não assinaremos nosso atestado de morte. Não podemos assinar um texto que não tenha compromissos fortes sobre a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis”, declarou, cercado por câmeras e gravadores. “Perguntaram-nos o que está em jogo se estas negociações não produzirem um resultado forte que mantenha o 1,5 ºC vivo. Como vocês podem não entender que é a nossa própria sobrevivência que está em jogo?”
Consternado, Schuster – também ministro dos Recursos Naturais e Ambiente da ilha de Samoa, no Pacífico – disse ainda que o rascunho traz uma “linguagem fraca que destruirá as nossas chances de manter o limite de aquecimento de 1,5 °C”. E garantiu: “Qualquer texto que comprometa o 1,5 °C será rejeitado”. As negociações da COP costumam ultrapassar a data marcada para o seu término e devem se estender ainda mais neste ano.
As pequenas ilhas que o Aosis representa são as nações mais ameaçadas pelos efeitos da mudança do clima. A gradual elevação do nível do oceano causada pelo aquecimento global pode fazer com que algumas delas simplesmente afundem e sumam do mapa.
Outras sofrem com o aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos como ciclones, que castigam sua população e infraestrutura, praticamente inviabilizando seu desenvolvimento econômico.
Por isso, esses países sempre estiveram na dianteira do clamor pela redução de emissões de gases de efeito estufa. Foram os primeiros a propor uma meta de corte significativa, de 20% (em relação aos níveis de 1990, até 2005), nas emissões de carbono mundiais, ainda na década de 1990, durante as negociações do Protocolo de Quioto. Há anos se posicionam incisivamente pelo fim do uso de combustíveis fósseis.
A possibilidade de uma decisão sobre o tema, absolutamente central para o combate à crise do clima, tornou-se a demanda principal da sociedade civil em Dubai e recebeu apoio de mais de cem nações da África, Europa, Caribe e Pacífico, que assinaram uma declaração a favor da medida.
O Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis atingiu projeção com a entrada da Colômbia, país de economia dependente de petróleo e carvão, e outras pequenas ilhas. Os secretários-gerais da ONU, António Guterres, e do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Simon Stiell, vêm pressionando publicamente os negociadores por uma definição sobre o assunto.
Organizações da sociedade civil também criticaram massivamente o texto. Logo após a divulgação do novo rascunho, representantes do bloco negociador da União Europeia também declararam não concordar com a proposta.
Em coletiva de imprensa, o governo brasileiro se somou ao coro: a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, chefe da delegação do país, destacou que a linguagem sobre combustíveis fósseis não é “apropriada” e tem “muitas insuficiências”.
Ralph Regenvanu, ministro das Mudanças Climáticas, Adaptação, Meteorologia e Riscos Geológicos, Energia, Meio Ambiente e Gestão de Riscos de Desastres de Vanuatu, país no sul do Pacífico formado por cerca de 80 ilhas, afirmou à Pública que, sem uma decisão sobre a eliminação dos fósseis, a COP28 “será um fracasso”.
“Significará que ainda estamos olhando para o cano de uma arma, basicamente como estamos agora”, pontuou. “Que enfrentaremos consequências desastrosas nos próximos anos. Que nossa vida em Vanuatu ficará muito mais insegura, que as pessoas não estarão seguras e protegidas, e que isso afetará tudo no país, todos os aspectos do nosso desenvolvimento.”
Regenvanu explica que Vanuatu, ao contrário de outros países-ilha como Tuvalu, não corre o risco de ser totalmente engolido pelo mar porque possui em seu território áreas mais altas. O problema é o custo de realocar a população das zonas baixas às mais elevadas para garantir sua sobrevivência, além de outras medidas de adaptação aos efeitos das mudanças do clima. “Adaptação é tudo o que fazemos. Não fazemos mais nada, não criamos políticas de desenvolvimento [econômico] normais. Colocamos todos os nossos esforços em nos adaptar [aos impactos do aquecimento global]”, relata.
Enfrentando situação tão dramática em casa e assistindo ao progresso lento das negociações, o ministro relata que não gosta de frequentar as conferências climáticas porque sempre “chega pessimista e sai decepcionado” com os resultados, que frequentemente não atendem à urgência imposta pela realidade. “Mas a questão é que não podemos nos dar ao luxo de não estar aqui, o que está em jogo é a sobrevivência das nossas populações”, afirma.
Fonte: Via apublica.org