Autores: Giovana Girardi.
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Recebeu destaque da imprensa no começo desta semana um estudo que mostra que a Amazônia Legal pode crescer economicamente muito mais sem desmatamento do que com a perda da floresta.
O trabalho “A Nova Economia da Amazônia”, elaborado pelo WRI Brasil e pela The New Climate Economy, em parceria com mais de 75 pesquisadores, calcula que, com desmatamento zero, uma agropecuária com baixa emissão de carbono e uma matriz energética baseada principalmente em energia solar, seria possível gerar um PIB regional de pelo menos R$ 40 bilhões a mais a cada ano a partir de 2050. O trabalho estima também a geração de 312 mil empregos.
Uma reportagem bem boa do Valor sobre o estudo destaca como “só 12% dos desmatamentos atuais na Amazônia são causados para responder a demandas da própria região”, o que indica que a destruição não está ligada à economia local.
Mas neste texto eu queria me deter em uma outra parte do trabalho, a de energia. Ao ler os resultados, não pude deixar de pensar na celeuma que se criou entre políticos da região quando o Ibama negou à Petrobras licença de perfuração em busca de petróleo na foz do Amazonas.
Foi um daqueles eventos que unem, negativamente, a extrema direita e a esquerda desenvolvimentista. No caso, em torno da necessidade de crescimento econômico da Amazônia. A gritaria era que a decisão estaria impedindo que se conhecessem as riquezas da região, como alegou o senador da base do governo Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), ao que foi ironicamente saudado pelo deputado e ex-ministro Ricardo “vamos-passar-a-boiada” Salles (PL-SP). “Bem-vindo ao time ! [sic]”, comentou zombeteiro no post de Rodrigues.
Tratei disso na edição de 18 de maio desta newsletter e também em entrevista com a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, que bem colocou que “o grupo que defende a licença do bloco 59 está propositalmente politizando uma decisão que é técnica”.
De lá para cá, publicamos várias outras reportagens na Agência Pública que mostram que o conceito de desenvolvimento para quem estará na linha de frente é bem distinto. “Exploração de petróleo assombra pescadores da foz do Amazonas”, revelou nossa colaboradora Rayane Penha, por exemplo.
Mas voltemos à Nova Economia da Amazônia. O estudo tenta mostrar justamente alternativas que tragam desenvolvimento associado a uma baixa emissão de gases de efeito estufa. Em suma, o grande desafio que temos a enfrentar como humanidade para tentar evitar os piores efeitos de um mundo aquecido impactado pelas mudanças climáticas.
Petróleo – não nos esqueçamos – é, sim, uma riqueza, mas que está na base de boa parte dessa encrenca. Altamente emissor, está com os dias contados. Em vez de correr para extrair até a última gota, não é melhor já correr para ter uma alternativa a ele?
O trabalho simula um cenário pautado por essa preocupação, em que a principal solução energética para a Amazônia estaria na implementação de sistemas fotovoltaicos, aproveitando-se áreas já abertas para outros fins, como pastagens degradadas próximas às estruturas de transmissão. E, também, em sistemas flutuantes nas represas hidrelétricas, aproveitando-se assim a capacidade instalada do Sistema Interligado Nacional (SIN).
O estudo estima que esses sistemas gerariam 55% da energia demandada pela Amazônia Legal em 2050 no cenário da Nova Economia da Amazônia.
Hidrelétricas na região – outra obsessão dos desenvolvimentistas –, que hoje são responsáveis por 85% da capacidade instalada na região, não se expandiriam mais. “Belo Monte teria sido o último grande projeto hidrelétrico na região”, aponta o sumário executivo do relatório.
Outro foco de mudança seriam as demandas energéticas do transporte rodoviário de passageiros e de cargas, hidroviário misto e aerofluvial. No cenário desenhado pelo estudo, elas seriam atendidas com biocombustíves de segunda e terceira geração (54%), com energia elétrica renovável (40%) e somente 6% por combustíveis fósseis até 2050.
Se fossem mantidas as coisas como são hoje, 82% viriam de fontes fósseis, 16%, de biocombustíveis e somente 2%, de energia elétrica. Os pesquisadores ainda projetam que nenhuma nova estrada de rodagem de alta velocidade seria construída. Entrariam no lugar os modos de transporte fluvial misto. Com toda essa troca, as emissões cairiam de 38 megatoneladas (Mt) de CO2 para 17 MtCO2 só no setor de energia.
“O setor público deve fazer valer suas funções alocativa e distributiva para sinalizar os rumos a serem tomados pela economia”, recomendam os autores, que incluem nomes como o climatologista Carlos Nobre, Eduardo Haddad (FEA-USP), Roberto Schaeffer (Coppe/UFRJ) e Rafael Feltran-Barbieri, economista sênior do WRI Brasil. Além dos antropólogos indígenas Braulina Baniwa e Francisco Apurinã, o economista Francisco de Assis Costa, do Alto Núcleo de Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (Ufpa).
“Embora energias renováveis, como a solar, já sejam competitivas, são ainda penalizadas e distorcidas pela manutenção dos subsídios a [combustíveis] fósseis, cuja extinção deve ser o principal fio condutor das ações do setor público. Os subsídios brasileiros aos fósseis na última década somaram quase US$ 222 bilhões, valor que representa 60% dos investimentos necessários para mudança na matriz energética no cenário NEA [Nova Economia da Amazônia]”.
O caminho está dado.
Fonte: Via apublica.org