Autores: Giovana Girardi, Anna Beatriz Anjos.
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Foco das ações até 2027 visa incentivar bioeconomia e aprimorar controle da devastação e responsabilização dos crimes
Após duas semanas de intensos ataques por parte do Congresso à área socioambiental do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, lançaram nesta segunda-feira (5) – Dia Mundial do Meio Ambiente – o principal instrumento para colocar nos trilhos a meta de zerar o desmatamento da Amazônia até 2030.
Em cerimônia conjunta, que contou com a presença no palco também do vice-presidente Geraldo Alckmin (ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), Fernando Haddad (Fazenda) e Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e dos governadores Helder Barbalho (Pará) e Antonio Denarium (Roraima), foi assinada a quinta fase do PPCDAm, o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal.
Considerado fundamental para a queda de 83% no desmatamento obtida na região entre 2004 e 2012 – e abandonado durante o governo Bolsonaro –, o plano volta agora repaginado e com a expectativa ambiciosa de pôr fim ao problema ao longo da década.
A nova versão busca retomar e reforçar ações que deram certo no passado, aprimorar as que não foram bem sucedidas, mas também vai além com estratégias que visam adaptar os instrumentos existentes para o contexto atual do desmatamento.
O plano traz mais de 130 metas para serem alcançadas até 2027, algumas com indicadores bem específicos, como fiscalizar 30% da área desmatada ilegalmente identificada pelo sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – hoje estima-se que apenas 6% do que foi desmatada passa por fiscalização. A ideia é fazer cinco vezes mais do que vinha sendo feito.
Outras metas são embargar 50% da área desmatada ilegalmente em unidades de conservação federais e aumentar em 10% o número de autos de infração ambiental julgados em primeira instância. Todas já para este ano. Para o ano que vem, espera-se desenvolver um mecanismo para aprimoramento da rastreabilidade dos produtos agropecuários. Há a previsão também de suspender/cancelar 100% dos registros irregulares de CAR (Cadastro Ambiental Rural) sobrepostos a terras públicas federais até 2027.
O problema da regularização fundiária, considerado hoje um dos vetores de desmatamento, também deve ser atacado. O PPCDAm prevê incorporar 100% das terras devolutas ao patrimônio da União; fazer a regularização fundiária de 50 mil ocupantes de terras públicas; destinar 29,5 milhões de hectares de florestas públicas federais ainda não destinadas e criar 3 milhões de hectares de unidades de conservação.
Dentro desse bloco de ações, há uma preocupação em alinhar o planejamento dos grandes empreendimentos e projetos de infraestrutura com as metas nacionais de redução do desmatamento, de modo que eles também sejam planejados para reduzir o desmatamento e a emissão de gases de efeito estufa decorrentes da mudança no uso do solo em suas áreas de influência.
A ideia do programa é atuar em quatro principais frentes. Os exemplos dos dois parágrafos acima se situam nos eixos de monitoramento e controle ambiental e de ordenamento fundiário e territorial. Os outros dois são em torno de promover atividades produtivas sustentáveis e criar instrumentos normativos e econômicos, dirigidos à redução do desmatamento e à concretização das ações dos demais eixos. Tudo isso até o fim de 2027 (período que coincide com o Plano Plurianual de planejamento orçamentário que será implementado pelo governo entre 2024 e 2027).
A intenção principal do PPCDAM é “estabelecer bases sólidas para alcançar o desmatamento zero até 2030”, a partir de 12 objetivos, que passam por, entre outros tópicos: garantir a responsabilização pelos crimes e infrações administrativas ambientais ligados ao desmatamento e degradação florestal; aprimorar a capacidade de monitoramento do desmatamento, incêndios, degradação das cadeias produtivas; avançar na regularização ambiental com o aprimoramento do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural; garantir a destinação e a proteção das terras públicas não destinadas; e criar, aperfeiçoar e implementar instrumentos normativos e econômicos para controle do desmatamento.
Há uma preocupação maior, desta vez, em conseguir impulsionar a bioeconomia, trazendo alternativas econômicas de desenvolvimento sustentável para a região a fim de trazer valor para a floresta em pé.
Esse era um eixo do PPCDAm desde sua primeira fase, em 2004, mas foi o que menos se desenvolveu. Muito se avançou na primeira década do plano nos mecanismos de comando e controle, que de fato promoveram a redução da devastação, mas não foram oferecidas saídas de desenvolvimento, o que foi avaliado como uma das dificuldades para continuar contendo o avanço da motosserra.
Agora há uma série de objetivos e metas com esse intuito, como, por exemplo, elaborar o Plano Nacional de Bioeconomia, criar o “Selo Amazônia” para certificação de produtos da bioeconomia e instituir projetos de ecoturismo. Um dos focos é promover o manejo florestal sustentável e a recuperação e restauração de áreas desmatadas ou degradadas. Para isso está previsto ampliar a área de floresta pública federal sob concessão florestal em até 5 milhões de hectares, incluindo a restauração florestal e silvicultura de espécies nativas.
Da origem bem-sucedida ao abandono
Criado originalmente em 2004, no primeiro mandato de Lula, quando Marina também estava à frente do Ministério do Meio Ambiente, o PPCDAm possibilitou pela primeira vez uma queda gradual e consistente na devastação da Amazônia. A taxa anual saiu de 27.772 km2 em 2004 (a segunda maior do registro histórico) para 4.571 km2 em 2012 (a menor desde o início do monitoramento do sistema Prodes, do Inpe).
Nos anos seguintes, porém, a taxa começou a oscilar para cima, retomando uma trajetória de alta nos últimos quatro anos, sob o governo Bolsonaro. Entre 2018 e 2022, o desmatamento subiu 54%. Em 2021, chegou ao pico de 13 mil km2, o maior nível desde 2006.
O plano original teve como um dos méritos, segundo especialistas, ter sido interministerial – e não somente um esforço da área ambiental do governo. Essa configuração, que refletia em força política das ações, se perdeu com o passar dos anos, especialmente a partir do segundo governo Dilma, e chegou a ser apontada como um dos motivos para que, depois de 2013, o desmatamento retomasse uma trajetória de alta.
Agora essa formulação está de volta. A comissão que aprovou o novo plano foi composta por 19 ministérios, reforçando o aspecto transversal defendido por Marina e endossado por Lula. O plano, inclusive, traz metas específicas para todos os órgãos e ministérios envolvidos, como a própria Casa Civil, que faz a coordenação política do plano. Tem papel fundamental nessa integração as pastas da Fazenda, da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário, de Minas e Energia, da Justiça, da Ciência e Tecnologia, só para citar alguns.
“A nova fase resgata o espírito original do PPCDAM de ter ações que transcendem a lógica exclusiva de criar unidade de conservação e fazer o monitoramento e a fiscalização, mas com várias novidades”, disse à Agência Pública o secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do MMA, André Lima.
“Estamos focando no uso de tecnologias para fiscalização, priorizando embargos remotos, para aumentar o alcance do que hoje se faz, aumentando significativamente as sanções. Alguns ministérios estão entrando com mais disposição. A Fazenda, por exemplo, está com muito interesse. O próximo Plano Safra (de financiamento do agropecuária) deve vir com novidades importantes, de trazer constrangimento de dar crédito para quem está ilegal. E agora vamos avançar no que não se conseguia nas fases anteriores, que é a agenda positiva”, explica o secretário.
Lima, que responde no ministério justamente pela operacionalização do plano, destacou que toda a operação vai ter como base um tripé para se alcançar o desmatamento zero: eliminar o desmatamento ilegal, criar incentivos econômicos para evitar mesmo a supressão de vegetação passível pela lei e promover atividades de restauração como forma de compensar as áreas que forem inevitáveis de serem abertas.
A situação atual, lembra ele, traz outros níveis de dificuldade em relação à enfrentada há quase 20 anos. Apesar de naquela época as taxas de desmatamento serem muito mais altas que as atuais, hoje o aumento da violência e as pressões político-econômicas apresentam novos desafios.
O documento faz um diagnóstico do que se tem a enfrentar, como a interiorização do desmatamento, com invasão de terras públicas; a reconcentração do desmatamento em grandes áreas; a redução da capacidade da governança em áreas protegidas e assentamentos; a persistência do desmatamento ilegal nas cadeias produtivas e o aumento da degradação florestal.
“A fronteira do desmatamento subiu. Não é só mais o arco do desmatamento. A soja e a pecuária estão subindo”, afirma Lima. Em 2004, o desmatamento se concentrava principalmente no sudeste do Pará, no eixo da rodovia BR-163 no estado de Mato Grosso e em Rondônia. Agora avança para o interior da Amazônia, pelos estados do Pará, Acre e Amazonas, em especial ao longo das rodovias federais BR-163, a BR-230, a BR-319 e a BR-364.
“Merece destaque em relação à alteração da dinâmica de ocupação de áreas de floresta nativa ocorrida nos últimos anos é a associação entre o desmatamento, a intensificação dos conflitos pela posse da terra e a violência, potencializados pela presença cada vez mais proeminente do crime organizado associado ao tráfico de drogas na Amazônia e seu papel de domínio no território”, aponta o documento.
O lançamento do PPCDAm coincide com a data de um ano do assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, no Vale do Javari, no oeste do Amazonas, fato lembrando logo na abertura do evento. As viúvas dos dois, Alessandra Sampaio e Beatriz de Almeida Matos, e Maria Luiza Araujo Pereira, filha de Bruno, estavam na primeira fila da cerimônia.
Fonte: Via apublica.org