SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O líder do Grupo Wagner, empresa militar privada russa que atua na Guerra da Ucrânia e em nações da África, alegou nesta sexta-feira (23) que as justificativas dadas pelo Kremlin para invadir a Ucrânia há mais de um ano teriam sido falsas.
A alegação é mais um episódio público de conflito entre Ievguêni Prigojin, um aliado de longa data do presidente Vladimir Putin, e o alto escalão do Exército russo, mas ganhou dimensão ampliada após o russo prometer se vingar de recentes ações encabeçadas por Moscou.
Em um áudio, ele afirmou, sem provas, que o Ministério da Defesa teria ordenado ataques a suas bases que levaram à morte de 2.000 homens. A pasta logo refutou as acusações, e, horas depois, foi anunciada uma investigação contra Prigojin por convocar uma rebelião armada.
Em comunicado, a Defesa disse que todas as afirmações não condiziam com a realidade e eram meras “provocações informativas”.
Mais cedo, em um vídeo de meia hora, Prigojin acusou a chefia do Exército russo -simbolizada na figura do ministro Serguei Choigu- de ter fabricado as alegações usadas. “O Ministério da Defesa tenta enganar a sociedade e o presidente e nos contar uma história sobre como a Ucrânia estava planejando nos atacar com toda a Otan”, disse.
E seguiu: “A guerra era necessária para que Serguei Choigu pudesse se tornar um marechal, obter mais uma medalha de herói nacional, e não para desmilitarizar ou desnazificar a Ucrânia”.
Em um trecho, o oligarca chama de farsa a guerra empreendida por Moscou contra Kiev -que, do seu lado, ainda a chama de “operação militar especial”. “Nossa ‘guerra santa’ contra aqueles que ofendem o povo russo, que tentam humilhá-lo, transformou-se em uma farsa.”
Sentado em uma cadeira com uma bandeira do Grupo Wagner atrás, Prigojin ainda afirmou que a guerra foi necessária para enriquecer a elite russa que, segundo ele, buscava ampliar o potencial comercial na região ucraniana do Donbass, parte russófona ao leste do território.
“A tarefa era dividir os bens materiais, houve um roubo maciço no Donbass, mas eles [a elite] queriam mais”, disse o russo. Desde o início da guerra, Moscou já anexou de maneira ilegal algumas porções do território ucraniano -duas delas, as autoproclamadas repúblicas de Lugansk e Donetsk, estão justamente no referido Donbass.
Depois, numa sequência de áudios, Prigojin disse que o Wagner responderia à tentativa russa de atacá-los, mas que seus avisos não caracterizariam um golpe -e sim uma “marcha por justiça”.
O tom é diferente daquele que usou inicialmente, quando disse que “aqueles que destruíram nossos homens, que destruíram dezenas de milhares de vida de soldados russos, serão punidos”.
Ele publicou ainda um vídeo que não pôde ser verificado de forma independente e mostra cenas de um suposto ataque russo com foguetes a uma base do Grupo Wagner em Rostov, no sul do território russo. Disse que tem sob seu controle 25 mil homens e que, juntos, vão desvendar “o caos” que vive o país.
“Vamos considerar um perigo e destruir todos aqueles que tentarem resistir e entrarem no nosso caminho; depois que terminarmos o que começamos, voltaremos à linha de frente para proteger nossa pátria.”
A resposta do Kremlin não tardou. Primeiro, o porta-voz Dmitri Peskov informou, segundo a agência russa Tass, que Putin fora informado sobre todas as falas e que “as medidas necessárias” estavam sendo tomadas. Pouco depois, o FSB, o Serviço Federal de Segurança russo, anunciou a abertura de uma investigação contra Prigojin por supostamente provocar uma rebelião armada no país.
De acordo com a agência Ria, o crime é punível com pena de prisão de 12 a 20 anos. “As declarações que estão sendo divulgadas em nome de Ievguêni Prigojin são absolutamente infundadas. Exigimos que as ações ilegais sejam interrompidas imediatamente” disse o Comitê Nacional Antiterrorismo russo em nota, segundo a Tass.
Em nota posterior o FSB afirmou que Pridojin estava apelando para o início de um conflito civil armado”. As declarações são “uma punhalada nas costas de militares russos que lutam com as forças ucranianas pró-nazistas” diz o texto.
De acordo com o Guardian, diversos canais ligados aos serviços de segurança russos informaram que um protocolo de emergência foi implementado em Rostov: todas as forças de segurança teriam sido mobilizadas, assim como veículos blindados e helicópteros teriam sido enviados para o local, que fica próximo à fronteira com a Ucrânia.
Na capital Moscou, informou a Tass, todas as principais instalações tiveram a segurança reforçada, incluindo prédios do governo e infraestruturas de transporte.
Horas após as declarações, Serguei Surovikin, comandante-adjunto da campanha militar russa na Ucrânia e recentemente designado por Moscou para atuar ao lado do Wagner, pediu que os membros da milícia privada não se somem às possíveis ações de Prigojin.
“Peço que parem”, disse ele em um vídeo. “O inimigo apenas espera que a situação política interna piore em nosso país.”
Os mercenários do Wagner têm atuado na Ucrânia desde antes de ter início a guerra hoje em curso. Mas os ataques públicos entre Prigojin e os militares russos escalaram nos últimos meses.
Em um dos mais recentes episódios, a pasta da Defesa emitiu ordem para enquadrar todos os grupos mercenários a serviço do país sob seu controle. O Wagner, claro, rechaçou a medida.
A colaboração do Wagner parecer ter sido fundamental para o lento avanço russo. Foram os mercenários do grupo que em maio anunciaram a tomada de Bakhmut, palco de combates intensos por semanas. Depois, passaram algumas porções para controle de Moscou.
As alegações de Prigojin nesta sexta-feira chamam a atenção por contradizerem argumentos colocados na mesa pelo próprio presidente Vladimir Putin para tentar justificar a invasão do país vizinho.
O líder russo mais de uma vez alegou (sem provas) querer desnazificar o governo da Ucrânia e afastar a sombra da Otan, aliança militar ocidental que hoje apoia Kiev.
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