SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os votos negativos no plenário, as longas horas de sabatina e o teor dos questionamentos ilustram a resistência que alguns dos indicados para compor o STF (Supremo Tribunal Federal) enfrentaram no Senado.
Mas a última vez que a Casa rejeitou nomes à corte foi em 1894, quando barrou cinco escolhidos pelo então presidente marechal Floriano Peixoto.
Especialistas que acompanham o rito de sucessão para uma vaga no STF avaliam que o baixo risco de reprovação é resultado da articulação política feita por cada presidente da República para garantir os votos necessários no plenário.
No caso do advogado Cristiano Zanin, foram 51 dias para que o presidente Lula (PT) anunciasse a escolha, a mais demorada do petista.
A sabatina de Zanin na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado está marcada para esta quarta-feira (21). Em seguida, sua indicação ao STF deve ser votada em plenário. Não há clareza sobre o tamanho da base de Lula na Casa, mas senadores da base estimam ao menos 55 votos pela aprovação –do mínimo necessário de 41.
O relator da sabatina na CCJ, o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), vice-presidente do Senado e um dos principais aliados do governo, emitiu parecer afirmando que Zanin cumpre as exigências constitucionais: idade entre 35 e 70 anos, notório saber jurídico e reputação ilibada. O relatório será lido na abertura da sessão da sabatina.
Dados do Senado mostram que, dentre os atuais ocupantes da corte, o ministro Edson Fachin teve o interrogatório mais longo, com 12 horas e 39 minutos.
Fachin enfrentou resistência pela proximidade com movimentos sociais e por ter declarado voto em Dilma Rousseff (PT) nas eleições de 2010. Ele foi escolhido pela petista em 2015, 257 dias após a aposentadoria de Joaquim Barbosa, a indicação mais demorada para a corte.
O ministro Alexandre de Moraes aparece na sequência, com uma sabatina de mais de 11 horas. Em 2017, o então ministro da Justiça de Michel Temer (MDB) teve que se manifestar sobre polêmicas como uma suposta atuação em prol da facção criminosa PCC e a acusação de plágio da obra de um jurista espanhol. Ele rechaçou ambos os casos.
Nos ritos mais recentes, as sabatinas transcorreram sem grandes embates. Primeiro indicado por Jair Bolsonaro (PL), Kassio Nunes Marques enfrentou cerca de 10 horas de sessão nas quais se esquivou sobre temas como Lava Jato e inquérito das fake news.
Para André Mendonça, por outro lado, a principal dificuldade foi o agendamento da sabatina. Após 143 dias de espera, o então AGU (Advogado-Geral da União) teve que responder a questionamentos sobre sua atuação em temas como religião e movimentos antidemocráticos.
Professor da FGV Direito Rio e autor do livro “Supremo Interesse”, Álvaro Jorge afirma que a polarização política tornou as sabatinas mais longas. Ele cita o caso do ministro Dias Toffoli, escolhido por Lula em 2009. Ex-advogado do PT, o na época AGU foi questionado por 8 horas e criticado pela proximidade com o presidente, o que deve acontecer também com Zanin, diz ele.
Jorge menciona ainda o caso da ministra e atual presidente do Supremo, Rosa Weber, que enfrentou pegadinhas de integrantes da comissão que buscavam desqualificar a capacidade jurídica da então juíza do trabalho, algo incomum diante de candidatos homens.
Para o professor e diretor da FGV Direito SP, Oscar Vilhena, o fato de os senadores terem foro por prerrogativa de função e serem julgados pelo STF interfere no processo de análise na Casa.
Ele critica ainda a falta de espaço para questões da sociedade civil, como organizações não governamentais e faculdades. A interação só é possível por meio do envio de mensagens pelo portal e-Cidadania, do Senado.
“O modelo tal como está não tem surtido efeito. Nunca tivemos uma impugnação de um candidato no período moderno e é evidente que várias pessoas que se tornaram ministros do Supremo não tinham o notório saber jurídico e mesmo a ilibada reputação”, diz Vilhena, sem citar nomes.
Integrante da comissão de direito constitucional da OAB-SP e professora da Escola Paulista de Direito, a advogada Luciana Berardi afirma que a ideologia do candidato ao Supremo tem pesado mais nos questionamentos feitos na CCJ do que a necessidade de verificar o conhecimento jurídico dos indicados.
“O que tem que ser aferido é a possibilidade desse candidato se manifestar com a imparcialidade que uma decisão judicial exige”, diz.
Finalizada a sabatina, o parecer do relator é votado pelos 27 membros da comissão que estiverem presentes. Levantamento feito pela Folha de S.Paulo mostra que Mendonça foi aquele que enfrentou o placar mais apertado, com 18 a 9, seguido por Moraes, com 19 a 7, e Fachin, com 20 a 7.
A votação definitiva, porém, é feita no plenário, em que são necessários ao menos 41 votos dos 81 senadores para a nomeação.
Dados do Senado analisados pela reportagem mostram que ali Mendonça e Fachin repetiram a rejeição. O indicado de Bolsonaro foi aprovado por 47 a 32, placar mais apertado desde 1989, superando o resultado do escolhido de Dilma, 52 a 27. O menor número de votos foi registrado por Francisco Resek, nome de Fernando Collor aprovado em 1992, por 45 a 16.
Vilhena (FGV-SP) afirma que o caso dos dois ministros exemplifica a divisão política no país a partir de 2013 e também uma mudança nas escolhas feitas pelos presidentes de buscar perfis mais alinhados.
“Toda vez que você tiver a indicação de um candidato que seja compreendido como alguém mais ideológico, ele vai ser recebido no Senado com maior resistência”, diz.
Autor(es): GÉSSICA BRANDINO, LEONARDO DIEGUES E DIANA YUKARI / FOLHAPRESS