BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) do governo Lula, o general da reserva Gonçalves Dias admitiu nesta quinta-feira (22) que houve edição de relatório da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) enviado ao Congresso Nacional com os alertas disparados às vésperas dos ataques às sedes dos Poderes de 8 de janeiro.
Segundo GDias, o documento original, que mencionava o “ministro do GSI” entre os destinatários dos informes, não “condizia com a realidade”.
“A Abin respondeu [a solicitação do Congresso] com um compilado de mensagens de aplicativo, em que tinha dia e tempo, na coluna do meio o acontecido e na última coluna a difusão. Esse documento tinha lá ministro do GSI”, disse o ex-ministro à CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal.
“Eu não participei de nenhum grupo de WhatsApp, eu não sou o difusor daquele compilado de mensagens. Então aquele documento não condizia com a realidade. Esse era um documento. Ele foi acertado e enviado”, completou.
Para GDias, a modificação do documento não configura adulteração ou fraude. “Eu sempre falei no GSI […] que todo documento que passasse por lá tinha que ser a expressão da verdade”, disse. O mesmo documento, sem menção a GDias, foi enviado ao MPF (Ministério Público Federal) e ao MPM (Ministério Público Militar).
A Folha de S.Paulo revelou que, em abril, que um relatório da Abin mostrava que o ex-ministro Gonçalves Dias teria recebido uma série de informes de inteligência, por WhatsApp, às vésperas dos ataques às sedes dos Poderes.
O relatório mostra uma série de alertas enviados, de 2 a 8 de janeiro, em grupos ou diretamente para o telefone de autoridades responsáveis pela inteligência de órgãos federais e do Distrito Federal.
No caso de GDias, a Abin mostra que ele recebeu as mensagens em seu celular a partir da noite de 6 de janeiro.
A CCAI (Comissão de Atividades de Controle de Inteligência) do Congresso pediu acesso ao relatório da Abin com o compilado dos alertas enviados sobre os ataques de 8 de janeiro. O primeiro documento, enviado à comissão em 20 de janeiro, não apresentava o GDias como um dos destinatários das mensagens.
A Folha de S.Paulo apurou que o general mandou omitir esses informes de uma minuta submetida previamente a ele, sob o argumento de que essa troca de informações não ocorreu por canais oficiais.
À CPI Gonçalves Dias afirmou que “os alertas [da Abin] não chegavam a mim pelos canais oficiais estabelecidos”. “Naquela primeira semana, eu seguia usando meu aparelho celular pessoal e meu aplicativo pessoal de WhatsApp”, disse.
O ex-ministro não deixou claro, no entanto, se recebeu os alertas da Abin diretamente em seu celular.
“Eu não fiz parte de nenhum grupo de WhatsApp. Desse compilado de mensagens, eu não participei do grupo. Se alguém participou do grupo [pelo] Gabinete de Segurança Institucional, os processos vão chegar à conclusão. Eu não participei. Eu troquei mensagens particulares com o doutor Saulo [Cunha, diretor-adjunto da Abin]”, disse o general, sem esclarecer.
Segundo o relatório da Abin, a primeira mensagem a GDias, enviada às 19h40 do dia 6, já dizia que havia o “risco de ações violentas contra edifícios públicos e autoridades”, a intenção de invadir o Congresso e o deslocamento de pessoas potencialmente armadas.
“A perspectiva de adesão às manifestações contra o resultado da eleição convocadas para Brasília para os dias 7, 8 e 9 jan. 2023 permanece baixa. Contudo, há risco de ações violentas contra edifícios públicos e autoridades”, dizia a mensagem, enviada a GDias como o ex-ministro é conhecido e também ao Ministério da Justiça.
“Destaca-se a convocação por parte de organizadores de caravanas para o deslocamento de manifestantes com acesso a armas e a intenção manifesta de invadir o Congresso Nacional. Outros edifícios da Esplanada dos Ministérios poderiam ser alvo das ações violentas.”
Na manhã de 7 de janeiro, novo informe foi enviado ao ex-ministro e à pasta de Dino. O texto, repassado às 10h30, alertava para a chegada de 18 ônibus de outros estados para o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército para “participar das manifestações”.
“Mantêm-se convocações para ações violentas e tentativas de ocupações de prédios públicos, principalmente na Esplanada dos Ministérios”, dizia trecho da mensagem.
Um informe ainda destacava que “caminhões tanque que transportam combustível não acessam a distribuidora de combustíveis anexa à refinaria (REVAP) de São José dos Campos-SP”. “Há presença de manifestantes autointitulados patriotas no local”, completava.
Na manhã dos ataques, de acordo com o documento da Abin, GDias recebeu o primeiro aviso às 8h53 diretamente em seu celular. O texto dizia que cerca de cem ônibus haviam chegado a Brasília para “os atos previstos na Esplanada”. A mensagem foi enviada somente para o ex-ministro e não aos demais órgãos.
Gonçalves Dias pediu demissão do governo Lula (PT) em 19 de abril após a divulgação de imagens que colocavam em dúvida a atuação do GSI durante os ataques golpistas.
As imagens mostravam a falta de comando e o baixo efetivo de militares na defesa do Palácio do Planalto. Diante da crise, o Planalto mudou de estratégia e passou a defender, no Congresso, a instalação de uma CPI mista para investigar a invasão aos prédios públicos.
No depoimento à CPI, GDias disse que havia cerca de cem pessoas na segurança do Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro. O número aumentou ao longo do dia, quando militares do Exército foram convocados para conter a invasão à sede do Executivo.
O ex-ministro afirmou que o plano de segurança foi definido na sexta-feira, 6 de janeiro, com base nas informações que a pasta havia trocado com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal.
GDias ainda contou que ligou às 14h do dia 8 para o então secretário-executivo do GSI, general Carlos José Penteado, para saber da situação do Palácio do Planalto diante da chegada de manifestantes bolsonaristas à Esplanada dos Ministérios.
“Ele me disse que estava tudo normal e que eu não precisava ir ao Palácio do Planalto. Mas eu permaneci inquieto e fui ao palácio”, disse o ex-ministro, destacando que Penteado estava no cargo desde a gestão do general Augusto Heleno.
Quando chegou ao prédio, diz Gonçalves Dias, havia falhas no esquema de segurança montado na antevéspera dos ataques.
“O general Penteado foi ao meu encontro, perguntei por que o bloqueio na frente do Palácio do Planalto, que deveria ter sido montado pela Polícia Militar, não havia sido montado. Cobrei dele, com um palavrão, o motivo de o plano escudo não ter sido feito. Ele saiu para montar o bloqueio de proteção porque eu ordenei”, completou.
GDias, no entanto, disse que não houve complacência do GSI no dia 8 de janeiro e que atuou de forma a evitar a entrada de vândalos no gabinete presidencial.
“Preservamos todo o quarto andar, as salas do gabinete presidencial, a sala do presidente e os anexos do Palácio. E, repito, sem nenhuma gota de sangue. Foram presos 182 invasores, que estavam nos corredores. Todos foram presos a partir de minhas determinações”, defendeu-se.
Autor(es): CÉZAR FEITOZA / FOLHAPRESS