BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Luiz Fux iniciou o seu voto sobre a instalação do juiz das garantias fazendo críticas ao modelo, em julgamento nesta quarta-feira (21) no STF (Supremo Tribunal Federal).
Fux é o relator do processo que analisa o modelo que divide a condução dos processos criminais entre dois magistrados. Pela regra, um juiz seria responsável pela fase da investigação, enquanto o outro se encarrega do julgamento.
Durante a sua fala, o ministro afirmou que o nome juiz das garantias seduz como “o canto da sereia”, mas que a imposição da lei poderia gerar o caos na justiça criminal. Isto porque, segundo ele, a norma ignoraria a carência de magistrados no país com dimensões continentais e a diferença entre os estados.
“Cerca de 65,6 % das comarcas do Brasil são providas com apenas de uma vara e que, por um viés cognitivo, o magistrado que zelar pelos direitos fundamentais do investigado ficaria impedido de trabalhar no processo. É fácil perceber que essa alteração criaria um caos na justiça criminal”, disse.
Fux também afirmou que todos os juízes brasileiros são juízes de garantias, durante a investigação e instrução processual, “incumbindo-lhes zelar pelos direitos fundamentais assegurados pela Constituição”.
Ele acrescentou que não há juiz das garantias mais eficiente que o próprio juiz e que os juízes já têm a tarefa de evitar abusos na fase investigativa.
“É intrínseco ao nosso exercício da profissão essa proteção de garantias, que se exige de todos nós magistrados. O próprio código de ética da magistratura preconiza que ao magistrado se impõe respeito pela Constituição e pelas leis do país, buscando o fortalecimento das instituições e a plena valoração dos direitos democráticos.”
Porém, disse que isto não inibe o aperfeiçoamento de uma instituição que precisava ser amadurecida e que o atual sistema pode melhorar durante o tempo.
O modelo do juiz das garantias foi aprovado no Congresso no fim de 2019 e sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL).
Após a sanção, o então presidente do Supremo, Dias Toffoli, adiou a implementação da medida por seis meses e criou parâmetros para a mudança.
Tudo isso foi suspenso em janeiro de 2020 por Fux, que também suspendeu a instalação do modelo.
Fux justificou que a suspensão da lei por ele foi gerada por “dever judicial de responsabilidade e não de passionalidade”, que a veio antecedida de maus exemplos, mas exemplos isolados não servem para que se faça um novo sistema.
Além disso, afirmou que a norma não foi criada para melhorar a situação de delitos cometidos em comarcas distantes, como em casos de furtos pequenos, e sim para um fim “completamente diverso dos delitos do varejo”.
Apesar das críticas, Fux não concluiu seu voto durante a sessão. A expectativa de interlocutores dos ministros é que o ministro, que é magistrado de carreira, apresente um voto contrário ao modelo de juiz das garantias.
O relator tem um histórico de atuação no STF favorável às demandas classistas, e o modelo proposto do juiz das garantias tem levantado uma série de queixas tanto das entidades como dos tribunais.
Defensores da proposta alegam que ela dará mais imparcialidade aos julgamentos. Já os críticos dizem que a medida pode resultar em acúmulo de trabalho para magistrados e dificultar a elucidação de casos complexos, que requeiram especialização do magistrado.
Durante a sua sustentação, o procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que a designação de julgadores distintos para atuar em diferentes etapas do processo penal é compatível com a proteção de direitos e garantias fundamentais e que não há inconstitucionalidade que se lhe possa atribuir.
Porém, fez algumas ressalvas sobre a sua implementação. Disse, por exemplo, que não há sentido em o Ministério Público Federal informar ao juiz sobre a instauração de qualquer investigação criminal, pois não compete ao magistrado interferir na condução do procedimento investigativo.
Também disse que não cabe atribuir ao juiz a prática de atos que interfiram no andamento do inquérito, como a prorrogação do prazo de sua duração ou a determinação de seu trancamento.
“Permitir que o magistrado interfira na condução do inquérito policial viola o sistema acusatório, por comprometer sua imparcialidade. Destaco que a investigação criminal é conduzida pela Polícia e pelo Ministério Público, instituições vinculadas ao dever de agir em conformidade com a Constituição e com as leis”, disse.
Além disso, disse que destoa do sistema acusatório permitir que o juiz requisite documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação. O destinatário do inquérito é o Ministério Público. Cabe-lhe postular ao delegado o que entender pertinente.
“Atribuir esse poder ao juiz equivale a consentir uma ingerência indevida no exercício da atividade-fim dos órgãos de persecução criminal e no curso do processo investigatório, comprometendo-se a imparcialidade da atividade jurisdicional”, afirmou.
O representante da Associação de Magistrados do Brasil (AMB) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Alberto Pavie Ribeiro, disse que as entidades não são contra o juiz das garantias, mas contra o modelo que, entre outros pontos, prevê sua implementação imediata.
Já Isadora Arruda, secretária de Contencioso da AGU (Advocacia-Geral da União), disse que o modelo do juiz das garantias é uma experiência civilizatória bem-sucedida. Ela sustentou que essa solução é discutida há muito tempo no país e que, por se tratar de norma processual, foi editada dentro da competência privativa da União.
Autor(es): CONSTANÇA REZENDE / FOLHAPRESS