Diagnóstico de pressão alta avança no país, mas tratamento ainda é desafio

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil tem um dos melhores cenários de controle de hipertensão das Américas, com taxas mais altas de diagnóstico e tratamento do que países vizinhos como Argentina e Peru. É preciso avançar muito, porém, para chegar a números semelhantes aos dos Estados Unidos e do Canadá, que registram os índices mais altos do continente.

Especialistas apontam que o principal entrave para isso é a inconsistência no ritmo de consultas e tratamento da doença, principalmente entre a população mais pobre.

Nesse aspecto, Chile e Índia têm programas bem-sucedidos. O primeiro é frequentemente elogiado por organizações internacionais pelo êxito no cuidado de hipertensos. Já o segundo recebeu em setembro um prêmio da OMS por uma iniciativa de ampliação do controle da doença.

Conhecida popularmente como pressão alta, a enfermidade ocorre quando o sangue faz força em excesso ao passar pelos vasos sanguíneos, causando lesões nas paredes das artérias. Com isso, cresce o risco de obstrução, o que aumenta a probabilidade de infarto, derrame, insuficiência cardíaca e doença renal.

A prevenção do quadro envolve a prática de exercícios e uma alimentação equilibrada. Já o tratamento é feito com mudança de estilo de vida e remédios de uso contínuo.

A Iniciativa de Controle de Hipertensão (IHCI, na sigla em inglês), da Índia, é uma ferramenta desenvolvida pelo governo para reduzir em 25% o número de hipertensos até 2025 —em acordo com as diretrizes da OMS.

Doenças cardiovasculares são responsáveis por um terço do total de mortes no país. Além disso, 220 milhões de indianos são hipertensos e, destes, apenas 12% têm a pressão sob controle, segundo a ONU.

O programa, criado em 2017, busca padronizar o tratamento e garantir o fornecimento de medicamentos em todas as regiões. Atualmente, a iniciativa engloba 3,4 milhões de pessoas —número bem inferior ao total de casos.

A IHCI também integra profissionais de saúde de várias áreas para tratar os doentes e administra um sistema de informações para rastreamento.

Visitas e progressos dos pacientes são registrados em um aplicativo. Além disso, a própria pessoa pode anotar seus níveis de pressão e açúcar no sangue —a ferramenta faz parte de um programa de diabetes. A plataforma também é adotada por Bangladesh, Etiópia e Sri Lanka.

Um modelo como esse poderia ajudar brasileiros que moram em regiões afastadas dos grandes centros e sofrem com a falta de médicos.

Segundo levantamento da Associação Médica Brasileira, enquanto a média nacional é de 2,6 médicos por mil habitantes, a de municípios com até 5.000 habitantes é de 0,3 médico por mil habitantes.

A mesma pesquisa mostrou que há mais médicos trabalhando para a iniciativa privada do que para o SUS (Sistema Único de Saúde). Em sentido contrário, 80% da população brasileira depende exclusivamente da saúde pública.

Para Deborah Malta, professora de saúde pública da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e ex-coordenadora do Plano de Enfrentamento de Doenças Crônicas do Ministério da Saúde, é importante que o profissional seja o mesmo em todas as consultas. “O paciente precisa ser atendido pelo clínico, ter diagnóstico precoce e ser reconhecido como de risco. Esse acompanhamento deve ser feito pela mesma equipe.”

Segundo ela, as substituições de médicos nos postos prejudicam a padronização do tratamento e afastam o paciente. “O nosso maior problema hoje é que o hipertenso tem acesso ao atendimento, mas não retorna. Como a hipertensão é uma doença silenciosa, ele acaba abandonando a medicação e só volta quando tem uma crise, o que dificulta o controle”, acrescenta.

No Chile, o problema foi enfrentado com a criação de instalações em pequenas cidades e áreas rurais. “Elas são administradas por técnicos de enfermagem e paramédicos, mas um médico vai lá uma vez por semana ou a cada 15 dias. O importante é que o protocolo de atendimento é o mesmo das demais instalações, assim como os medicamentos disponíveis para o atendimento básico”, explica Fernando Lanas, professor de medicina da Universidad de la Frontera e uma das referências chilenas no assunto.

Pesa a favor do Chile a extensão geográfica e o fato de 90% de sua população estar concentrada em áreas urbanas —o Brasil tem taxa semelhante, mas a dimensão dificulta a instalação de postos.

Além disso, apesar de haver um protocolo nacional de atendimento no Brasil, médicos tendem a seguir linhas diferentes no tratamento. Paralelamente, como parte da compra de remédios é feita pelos municípios, as fabricantes podem variar de cidade para cidade.

Essas diferenças refletem nos índices de cada país: o Chile tem uma das menores taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares do continente americano, de acordo com a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde).

As políticas públicas das últimas décadas foram essenciais também para que, em 2019, o país tivesse a menor taxa de mortalidade por doença cardíaca isquêmica das Américas —o quinto que mais conseguiu diminuir esse índice desde 1990.

Nos últimos anos, os sul-americanos também aderiram ao Hearts, programa da OMS que tenta internacionalizar os padrões de atendimento em todo o mundo. Índia e Brasil também fazem parte da iniciativa.

Apesar dos obstáculos, o controle e tratamento da hipertensão no Brasil avançaram muito nas últimas décadas, principalmente após a criação da Farmácia Popular, em 2004.

“Hoje se consegue muito remédio de graça. Os genéricos também foram um grande avanço porque deixaram os medicamentos mais acessíveis. Um tratamento de hipertensão custa no máximo R$ 20 por mês”, afirma Fernando Bassan, diretor do Instituto Nacional de Cardiologia.

De acordo com a Opas, o Brasil foi o segundo país americano que mais conseguiu controlar a hipertensão desde 1990 —atrás do Canadá. Hoje, 26% da população é hipertensa, contra mais de 30% há três décadas.

Autor(es): PAULO LOVISI / FOLHAPRESS

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