CPI do MST aprova convocação para discutir lei usada por Tarcísio para beneficiar fazendeiros

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Deputados federais aprovaram nesta quarta-feira (14) a convocação na CPI do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) do diretor da fundação paulista que atua em acordos para a venda de terras devolutas a fazendeiros no estado de São Paulo.

A convocação do diretor-executivo do Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo), Guilherme Piai, na condição de testemunha, foi feita pela deputada Luciene Cavalcante (PSOL-SP), para esclarecer a aplicação de lei que prevê a regularização das áreas.

Procurada, a fundação afirmou que Piai está à disposição dos membros da comissão “para detalhar o trabalho realizado à frente da instituição”.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) acelerou o processo de regularização de terras devolutas, com desconto de até 90% para os ocupantes e com base em lei questionada pelo PT no STF (Supremo Tribunal Federal).

As terras devolutas são áreas públicas ocupadas irregularmente que nunca tiveram uma destinação definida pelo poder público e em nenhum momento tiveram um dono particular.

A lei entrou em vigor na gestão de Rodrigo Garcia (PSDB), mas a administração de Tarcísio, eleito com apoio do agro, passou a colocar em prática os processos.

O PT entrou com ação direta de inconstitucionalidade no STF para barrar a lei, e o assunto está nas mãos da ministra Cármen Lúcia. Até o momento, há pareceres favoráveis da PGR (Procuradoria-Geral da República) e da AGU (Advocacia-Geral da União).

Um vídeo mostra Piai citando que é necessário atuar no processo “enquanto a lei está vigente”. “Agora está acontecendo uma questão política, que também foge da alçada do Itesp, que essa lei tem grandes chances de cair”, disse Piai na gravação.

A CPI do MST é relatada pelo deputado Ricardo Salles (PL-SP) e esperança do bolsonarismo para fustigar a esquerda, que, por sua vez, aproveita a comissão para questionar a lei paulista.

Luciene Cavalcante afirma que é preciso que Piai explique a pressa em aplicar a lei que, segundo ela, repassa as terras “a preço de banana”.

“O presidente do Itesp precisa explicar na CPI o que está por trás da reforma agrária para os ricos no estado de São Paulo. Ele precisa explicar a pressa em colocar em prática que tenta regularizar a grilagem de terras devolutas por grandes latifundiários”, diz.

Enquanto isso, bolsonaristas atuam na CPI para mostrar os vínculos do governo Lula com o MST.

No mesmo bloco em que foi aprovada a convocação de Piai há requerimentos do deputado Coronel Assis (União Brasil-MT) questionando a lista dos integrantes que viajaram à China com Lula em abril —entre eles estava o líder do MST João Pedro Stedile.

Outra convocação aprovada é a de Eduardo Moreira Araújo, do Financiamento Popular para Alimentos Saudáveis, “para prestar esclarecimentos sobre a atuação dessa instituição junto aos chamados movimentos sociais, em particular, ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra”. O requerimento é de Gustavo Gayer (PL-GO).

LEI DE REGULARIZAÇÃO DE TERRAS

Os acordos para a venda das terras passam pelo Itesp, são enviados à Secretaria de Agricultura para manifestação, e a decisão final será da Procuradoria-Geral do Estado. O Itesp argumenta que irá economizar valores com os processos.

Até agora, os imóveis cujos acordos foram publicados no Diário Oficial são avaliados em R$ 64 milhões. O total dos descontos previstos, porém, soma R$ 50 milhões —proprietários teriam que pagar só R$ 14 milhões. Os terrenos somam 3.900 hectares, o equivalente a 25 áreas do parque Ibirapuera. Há ainda 132 processos que não chegaram a esse estágio.

Deputados estaduais e federais por São Paulo têm pressionado o STF para decidir logo.

O deputado estadual Eduardo Suplicy (PT) enviou no dia 30 um ofício à ministra Cármen Lúcia pedindo urgência no julgamento do caso —e no qual cita reportagem da Folha de S.Paulo. Suplicy e outros deputados que assinam o documento afirmam que a suspensão da lei pode evitar o erro histórico de renunciar a milhares de hectares de terras.

O PSOL também entrou no assunto na esfera nacional, ao pedir ao STF para participar da ação do PT como amicus curiae, fornecendo subsídios ao processo, numa articulação feita por Sâmia Bonfim.

À Folha de S.Paulo o Itesp defendeu a legislação. A fundação afirmou que, no vídeo divulgado, o diretor sugere que, enquanto a lei possibilitar, seja realizada a instrução processual para os acordos e “enfim, a retomada da segurança jurídica, da paz e do desenvolvimento”.

A fundação argumenta que, em vez de perder dinheiro, irá poupar R$ 40 milhões apenas com oito desses imóveis avaliados.

“Mais adequado do que se apontar o valor de desconto dado pelo estado a estes particulares, é apontar o valor que o estado deixará de gastar com a continuidade do litígio e a necessidade de pagamento das indenizações por benfeitorias, bem como o quanto arrecadará para investimentos em políticas sociais”, diz o Itesp, em nota.

O órgão menciona propriedades aptas a acordo não declaradas devolutas. No Pontal do Paranapanema, 84 ações discriminam 1,2 milhão de hectares, sendo 29 julgadas improcedentes, afirma a fundação. “Portanto não há certeza de sucesso no ingresso de ações judiciais discriminatórias e o acordo para regularização evita o risco processual”, diz o Itesp.

Autor(es): ARTUR RODRIGUES E GUILHERME SETO / FOLHAPRESS

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