SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Existem pelo menos 16 maneiras de se tornar inelegível no Brasil, o que faz do país um dos recordistas em restrições a candidaturas eleitorais entre as democracias do Ocidente.
Em quase todos os casos, a inelegibilidade, ou suspensão temporária do direito de ser votado, é uma consequência secundária de outro tipo de punição, como o impeachment ou certas condenações por órgão colegiado.
“A única hipótese de uma ação que tem como pena própria a inelegibilidade é a ação de investigação judicial eleitoral por abuso de poder político, econômico ou uso indevido dos meios de comunicação”, diz o advogado Fernando Neisser, presidente da Comissão de Direito Público e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo.
Esse é um tipo de ação que busca garantir a igualdade de condições entre os candidatos em uma disputa. E é exatamente esse o processo que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enfrenta no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O PDT, partido que apresentou a ação contra Bolsonaro, argumenta que ele abusou do poder político e fez uso indevido dos meios de comunicação na reunião na qual contou mentiras sobre as urnas eletrônicas a embaixadores em julho do ano passado, no Palácio da Alvorada.
Se for condenado, Bolsonaro não poderá se candidatar por oito anos, prazo que, desde a edição da Lei da Ficha Limpa (2010), tornou-se comum a quase todas as inelegibilidades. A única diferença está no momento em que essa punição começa a ser considerada.
Para o abuso de poder político, por exemplo, os oito anos contam a partir do dia do primeiro turno da eleição em que os fatos ocorreram. No impeachment, a pessoa já fica inelegível pelo tempo remanescente do mandato e só então os oito anos começam a ser contados.
A lista completa das inelegibilidades está no artigo 1º da lei 64/90. É uma relação extensa, que inclui não só as punições mas também casos em que a pessoa não tem o direito de ser votada por outros motivos, como falta de alfabetização ou necessidade de cumprir quarentena após deixar certos cargos.
De acordo com Neisser, algumas das inelegibilidades mais comuns são aquelas relacionadas à perda de mandato eletivo, seja no caso de impeachment, seja no de cassação de deputado ou vereador -punição que também cabe a quem renunciar ao cargo no curso do processo.
Também são frequentes as inelegibilidades decorrentes da condenação por órgão colegiado, que é o efeito mais conhecido da Ficha Limpa.
Antes, a legislação previa a suspensão do direito de se candidatar a toda pessoa que tivesse, para certos tipos de crime, uma condenação transitada em julgado -isto é, contra a qual não cabe mais recurso. A inelegibilidade durava três anos após o cumprimento da pena.
Com a Ficha Limpa, esse prazo aumentou para oito anos. Além disso, a lei ampliou os crimes que podem gerar a restrição eleitoral.
Assim, aos crimes contra a administração pública e tráfico de drogas, entre outros, somaram-se, por exemplo, crime ambiental, lavagem de dinheiro, crime contra a dignidade sexual e aqueles praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.
Outras situações conhecidas da lei 64/90 são as rejeições de contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas, que também podem gerar inelegibilidade, assim como atos dolosos de improbidade administrativa que resultem em lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.
Nem tão frequentes, mas nem por isso menos importantes, há os casos como o do processo contra Bolsonaro, que envolvem alguma ação para desequilibrar a disputa eleitoral.
A lei prevê punições para quem cometer abuso de poder político ou econômico a favor de si próprio ou de terceiros. E, dentro do mesmo espírito, prevê a possibilidade de tornar inelegível quem comprar votos, por exemplo.
Mais recentemente, devido ao agora ex-deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), ganhou os holofotes uma hipótese pouca usada da lei: a inelegibilidade de magistrados ou membros do Ministério Público.
Pela lei, a punição se aplica, entre outras situações, àqueles que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar. O TSE entendeu que Deltan procurou burlar esse dispositivo e o aplicou, mesmo que o ex-membro da Operação da Lava Jato não se enquadrasse à risca.
Autor(es): UIRÁ MACHADO / FOLHAPRESS