Autores: Anna Beatriz Anjos.
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Técnica associada a impactos socioambientais é realizada em Vaca Muerta, de onde parte o gasoduto Néstor Kirchner
O governo brasileiro pode apoiar a construção do segundo trecho do gasoduto Presidente Néstor Kirchner, que possibilitará a exportação ao Brasil do gás produzido na região conhecida como Vaca Muerta, na patagônia argentina. Lá, o gás e o petróleo não convencionais são extraídos por meio do fraturamento hidráulico, mais conhecido como fracking. A técnica, já banida em vários países, é relacionada por estudos científicos a graves impactos ambientais e riscos à saúde humana (veja box abaixo).
A Agência Pública esteve em Neuquén, a província argentina que abrange a maior parte de Vaca Muerta. Na região, a reportagem encontrou um cenário diferente da prosperidade econômica propagandeada pela indústria do petróleo e gás. As benesses da exploração fóssil não chegam a todos: quase 40% da população da província é pobre e comunidades periféricas não têm acesso regular ao gás extraído na região. Povoados são afetados por tremores de terra associados ao fracking, antes inexistentes, que provocam rachaduras nas casas. E famílias indígenas Mapuche vivem em meio a campos de exploração que ameaçam seus territórios.
O primeiro trecho do gasoduto, que levará o gás à província de Buenos Aires, acaba de entrar em operação. O processo de enchimento começou em 20 de junho e deve terminar em 9 de julho, quando ocorrerá a inauguração formal. Segundo manifestações do próprio governo brasileiro, o apoio à obra de sua segunda etapa se daria por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em sua última visita à Brasília, no fim de maio, o chefe do Executivo da Argentina, Alberto Fernández, ouviu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que “já não há nenhum obstáculo jurídico para o envolvimento do BNDES” no negócio, de acordo com nota divulgada pelo Itamaraty. Uma nova vinda de Fernández ao Brasil está agendada para a próxima segunda-feira (26).
O texto informa ainda que o banco deve financiar exportações de tubos e chapas de aço produzidas por empresas brasileiras a serem usados na construção da segunda etapa do duto, que ligará Neuquén à cidade de San Jerónimo, em Santa Fé, outra província argentina. Neste ponto, já existe infraestrutura para levar o gás até o município gaúcho de Uruguaiana, na fronteira com a Argentina, de onde teria que ser transportado a outros lugares do país.
Em janeiro, quando Lula viajou a Argentina, a primeira viagem de seu terceiro mandato, os dois países assinaram uma declaração conjunta em que se comprometeram a avaliar “com sentido de prioridade e urgência, o financiamento de projetos estratégicos de interesse binacional, como o Gasoduto Presidente Néstor Kirchner”.
O BNDES, entretanto, informou à Pública não ter recebido até o momento “nenhuma solicitação de apoio encaminhada por exportadores brasileiros” com vistas a atuar na construção do gasoduto. Por meio de sua assessoria de imprensa, destacou que não “realiza aportes financeiros em obras”, somente “financia a exportação de bens e serviços brasileiros, tendo por objetivo o aumento da competitividade das empresas brasileiras, a geração de emprego e renda no país, e a entrada de divisas (contribuindo para a melhoria, dentre outros indicadores, da balança comercial)”.
Já o Ministério das Relações Exteriores (MRE) não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre o andamento das tratativas entre os governos brasileiro e argentino e a possibilidade de um acordo em relação ao gasoduto ser anunciado na próxima visita de Fernández a Brasília.
O BNDES e o MRE tampouco mencionaram os valores que estariam envolvidos no negócio. Entretanto, em dezembro de 2022, a secretária de Energia da Argentina Flavia Royon afirmou ter conseguido financiamento de “US$ 689 milhões” do banco – cerca de R$ 3,3 bilhões – para a obra do segundo trecho do gasoduto. À época, o BNDES disse ao portal Bloomberg Línea que havia sido consultado pelo governo argentino, por meio da embaixada em Brasília, e por empresas brasileiras “sobre eventual financiamento às exportações brasileiras”, mas que, como agora, não havia “pedidos formais de financiamento protocolados no BNDES”.
O que é fracking
“Xisto” (shale, em inglês) é o termo usado popularmente para se referir ao folhelho, uma das formações de rochas não convencionais em que o gás e o petróleo podem ocorrer. Também existem os reservatórios de arenitos ou carbonatos “fechados” com petróleo e gás (tigh oil e tight gas), entre outros. Todos esses tipos de rocha são de baixa permeabilidade, mais difíceis de explorar do que os reservatórios típicos, que produzem petróleo e gás convencionais.
Para que a operação comercial desses reservatórios não convencionais seja viável, são necessárias técnicas mais complexas. É aí que entra o fraturamento hidráulico ou fracking. Além de perfurações a extensas profundidades, primeiro vertical e depois horizontalmente, a técnica requer a injeção de grandes quantidades de água com diversos produtos químicos (na literatura científica, há registro de mais de mil componentes já utilizados nas operações) e areia sob alta pressão. Essa combinação produz fraturas nas rochas, permitindo que o gás e o óleo antes inacessíveis fluam para a tubulação e sejam extraídos.
A equação do gás de Vaca Muerta
A Argentina vive uma aguda crise econômica causada, entre outros fatores, pela alta dívida externa, desvalorização do peso e diminuição de sua reserva de dólares, que vêm provocando a escalada da inflação. Para o país, seria vantajoso vender gás ao Brasil justamente para aumentar a entrada de dólares – essencial, por exemplo, para a manutenção das importações e o pagamento de sua dívida externa –, já que o gás é negociado na moeda norte-americana, referência para a comercialização de commodities.
O principal interesse da Argentina no desenvolvimento do gasoduto Presidente Néstor Kirchner, no entanto, é sua autossuficiência em gás, que representa mais de 50% de sua matriz energética. No país vizinho, o gás é utilizado principalmente para geração de energia elétrica, na indústria e no aquecimento de residências durante as épocas frias.
Mas para o Brasil a equação é mais complexa. Existe demanda por gás no país, sobretudo por parte da indústria. Também há a intenção de reduzir a dependência do gás vindo da Bolívia. Em maio do ano passado, o país cortou 30% da quantidade fornecida ao Brasil para redirecionar à Argentina, que ofereceu preço melhor do que o pago pela Petrobras.
Contudo, é preciso avaliar a competitividade do preço a que o gás argentino será vendido, fator ainda desconhecido. Além disso, existe a questão do custo e tempo que a obra do segundo trecho do gasoduto deve levar para ser concluída.
O físico Roberto Kishinami, especialista em energia e mudanças climáticas e coordenador do Instituto Clima e Sociedade (iCS), explica que também serão necessários investimentos em infraestrutura para transportar o gás vindo de Vaca Muerta a outros lugares do país, já que em Uruguaiana, embora haja uma usina térmica, a demanda não é contínua. No mínimo, o transporte teria que ser feito até Porto Alegre, e idealmente até o Sudeste, onde estão os maiores consumidores do produto.
Aí entra outra questão: a urgência de se fazer a transição energética para fontes mais limpas frente ao aquecimento global. O gás é um combustível de origem fóssil cuja queima emite gases de efeito estufa. O uso do gás argentino no Brasil poderia, segundo Kishinami, afetar o cumprimento da meta nacional sob o Acordo de Paris de cortar 37% das emissões de gases de efeito estufa até 2025 e em 50% até 2030.
Apesar do gás ter participação menos expressiva na matriz energética brasileira do que na argentina – 13,3% –, Kishinami lembra que é preciso cada vez mais se afastar da dependência dos fósseis em direção a fontes de energia renováveis, área em que o Brasil tem reconhecido potencial.
“Olhando daqui até 2050, o Brasil tem pouquíssimo tempo para investir em alternativas que não sejam emissoras de gases de efeito estufa. E temos muitas alternativas no Brasil, é um país que tem sol, vento, biomassa, recursos vários que estão sendo desperdiçados”, pontua o especialista. “Essa seria a direção em que deveríamos estar investindo para construir um futuro diferente. Qualquer desvio disso em relação ao gás ou petróleo, ao meu ver, é desperdiçar recursos e principalmente tempo para fazer essa transição”.
Diante dos esforços globais para o abandono dos combustíveis fósseis, um investimento grande em infraestrutura de gás poderia também se tornar um “ativo encalhado”. Ou seja: que perde seu valor econômico por conta da mudança para uma economia de baixo carbono.
No entanto, há no tabuleiro o fator diplomático. “O Brasil exerce o papel – ainda mais em governos mais à esquerda, como é o caso do atual – de potência hegemônica regional. E não só no caso do Brasil, mas também da Europa, com a França e a Alemanha, a função dos países mais fortes que querem exercer liderança [regionalmente] é gerar bens públicos. O gasoduto não é exatamente um bem público, mas fortaleceria a economia da Argentina que vai muito mal das pernas”, aponta Vinícius Rodrigues Vieira, professor de Relações Internacionais da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado) e FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Jair Bolsonaro também falava em importar o gás argentino. Após reunião bilateral com Fernández em junho do ano passado nos Estados Unidos, o ex-presidente disse que continuava “em frente o nosso acordo de gás de Vaca Muerta”.
Seu governo também lançou um projeto experimental para a realização do fracking no Brasil, o Poço Transparente, cujo edital foi publicado em dezembro, a poucos dias de Lula tomar posse como presidente, conforme revelou a Pública. À época, organizações da sociedade civil pediram a “revogação imediata” do edital, que segue válido, sem que nenhum projeto tenha sido qualificado até o momento (leia mais aqui).
Para Kishinami, devem ser levadas em consideração as implicações socioambientais que o fracking causa na região de Vaca Muerta – e que podem se intensificar caso as exportações de fato se iniciem.
“Vai acontecer a multiplicação dos poços de fracking. Estamos vendo aqui que a atividade consome muita água, gera sismos e agrava o problema das mudanças climáticas. Todas as dificuldades observadas aqui vão se multiplicar [com a eventual exportação ao Brasil], porque deve aumentar a quantidade de poços”, afirma Fernando Cabrera Christiansen, do Observatorio Petrolero Sur (Opsur), organização que denuncia e monitora os impactos da atividade da indústria fóssil em Neuquén.
Em Neuquén, fracking faz a terra tremer e ameaça comunidade Mapuche
A formação sedimentar de Vaca Muerta tem a segunda e quarta maiores reservas de gás e petróleo não convencionais do mundo, respectivamente, segundo estimativas da Administração de Informações de Energia dos Estados Unidos (EIA, na sigla em inglês). Essas reservas estão a cerca de 3 km abaixo da terra. Vaca Muerta ocupa área de mais de 35 mil km2 – extensão pouco superior à área do município de Porto Velho, a maior capital brasileira – e, embora esteja majoritariamente em Neuquén, abrange mais três províncias vizinhas.
A maioria das concessões de petróleo e gás estão nas mãos da empresa estatal argentina Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), mas há também operações de companhias privadas, como as multinacionais Chevron e ExxonMobil. Na região há ainda exploração de petróleo e gás convencionais, em outras formações sedimentares mais próximas à superfície.
Em maio, a Pública percorreu as estradas de Neuquén por três dias. Pelas janelas do carro, é impossível passar uma hora sem avistar algum campo de extração ou planta de óleo e gás. Até circulando pelas ruas da periferia do município de Neuquén, capital da província de mesmo nome, é possível encontrar locais de exploração.
Um dos mais impressionantes impactos do fracking são os tremores de terra registrados em Neuquén a partir de 2015, pouco depois que a atividade começou, em 2011. Já são mais de 400 identificados pelo Observatório de Sismicidade Induzida com base em dados de órgãos como o Instituto Nacional de Prevenção Sísmica (Inpres) e a Secretaria de Energia da Argentina. O mais forte, de grau 5, aconteceu em março de 2019.
“Antes de 2015, não havia registros de sismos”, afirma o geógrafo Javier Grosso, professor da Universidade Nacional do Comahue, em Neuquén, e um dos estudiosos responsáveis pelo Observatório. Em 2022, ele e outros pesquisadores publicaram artigo na revista Nature relacionando a prática da fratura hidráulica ao aumento da atividade sísmica em Vaca Muerta.
Sauzal Bonito, a 150 km da capital Neuquén, é o povoado onde mais intensamente são sentidos os sismos e seus efeitos. Fica próximo a Fortin de Piedra, o principal campo produtor de gás não convencional de Vaca Muerta, segundo Grosso. Lá vive o casal de idosos Carlos e Noemi Peréz, cuja casa é cheia de rachaduras causadas pelos tremores. Como não ocorriam antes, as construções do povoado não contam com estruturas antissísmicas. Em 2022, o governo provincial prometeu 50 residências do tipo para Sauzal Bonito, mas até agora entregou apenas três, de acordo com o portal ElDiarioAr.
Carlos Peréz, agora aposentado, tem 67 anos e vive em Sauzal Bonito desde os oito. Trabalhou na indústria local de petróleo convencional por 32 anos. “Eu, principalmente, sei o que existe lá embaixo [da terra]”, conta. Ele diz que em sua época, no entanto, não se executava o fracking. “É muito cruel o que estão fazendo, é proibido em outros lugares do mundo e aqui continuam com isso”. Países como Alemanha, França e Reino Unido já baniram a prática — o último, justamente pelo risco de tremores.
Em março de 2022, habitantes de Sauzal Bonito e outros atores da sociedade civil ingressaram na Corte Suprema da Argentina contra a província de Neuquén. Um dos objetivos é a realização dos estudos de impacto ambiental que não foram desenvolvidos antes do início das operações de fraturamento hidráulico.
A população indígena de Nenquén também é diretamente afetada pelo fracking de Vaca Muerta. A Pública esteve na zona de Tratayén, onde se inicia o gasoduto Presidente Néstor Kirchner, e onde também está a comunidade Mapuche de Fvta Xayen, formada por cerca de 60 pessoas. Perto dali fica o campo de gás e petróleo não convencionais Loma Campana, operado pela YPF junto à petroleira norte-americana Chevron.
A liderança Mapuche Diego Rosales conta que Fvta Xayen está no local há cerca de cem anos. As famílias de lá viviam tranquilas até 2013, quando as empresas começaram a praticar a técnica do fraturamento hidráulico na região. “Essa produtora [a YPF] chegou, disse que tinha permissão do governo da província para realizar sua atividade, e aí encontrou a nossa ocupação. Então iniciamos a luta para nos defender. Começaram a aparecer atores privados, que haviam se planejado anos antes com o título de propriedade”, narra.
Rosales explica que uma família local com influência política e econômica entrou na Justiça contra os Mapuche e apresentou um título de propriedade das terras datado de 2001. Desde então, os indígenas travam uma batalha judicial para que seus direitos territoriais sejam reconhecidos e para que seja cumprida a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina que povos indígenas têm direito à consulta livre, prévia e informada antes de serem tomadas decisões que lhes afetem.
Enquanto isso, Fvta Xayen sofre com os impactos do alto tráfego de caminhões das petroleiras nos arredores de suas casas. De acordo com Rosales, animais que a comunidade cria para subsistência – como cavalos, cabras e vacas – já foram atropelados pelos veículos.
No epicentro de Vaca Muerta, falta acesso a gás para os pobres
Aproximadamente 45% do gás produzido na Argentina sai de Vaca Muerta. Na província de Neuquén, cerca de 60% do orçamento vem de contribuições das petroleiras: aproximadamente 30% são oriundos de royalties, e os outros 30%, do pagamento do imposto sobre o rendimento bruto, de acordo com Fernando Cabrera Christiansen.
No entanto, Neuquén tem 38,4% da população abaixo da linha da pobreza, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec). “As pessoas não têm banheiro em casa, mas têm um poço de petróleo ao lado”, conta uma trabalhadora da área de saúde em Valentina Norte Rural, bairro periférico na zona oeste da capital, que pediu para ter sua identidade preservada.
Numa notável contradição, os moradores do bairro tampouco têm acesso à rede de distribuição do gás produzido na região. Quando acaba o gás engarrafado fornecido pelo governo da província duas vezes na semana, as famílias costumam recorrer à lenha para cozinhar e se aquecer durante o inverno, período em que a temperatura média mínima é de 1ºC. Se não têm madeira, queimam lixo e sapatos velhos. Por isso, afirma a servidora da saúde, são comuns os casos de problemas respiratórios, sobretudo em crianças.
Uma das principais consequências do fraturamento hidráulico é o uso de grandes quantidades de água. A técnica demanda, segundo estudos, de 10 a 17 milhões de litros de água para cada poço, o que ameaça a segurança hídrica, sobretudo onde já há escassez ou em épocas de seca. Em mais de uma ocasião durante a visita a Neuquén a reportagem identificou extensas mangueiras – as chamadas “anacondas” – retirando água do rio Neuquén e levando aos poços de fraturamento hidráulico.
Esses grandes volumes de água não podem ser devolvidos ao rio porque acabam contaminados por diversos elementos potencialmente tóxicos provenientes do fracking – a chamada “água de retorno”. Existe o risco de contaminação de aquíferos ou de rios e córregos por derramamentos ou vazamentos acidentais desses fluidos residuais.
Enquanto isso, parte dos habitantes da cidade Añelo – o epicentro da exploração fóssil em Vaca Muerta, a cerca de 100 km da capital Neuquén – sofre com a falta de água. O líder comunitário Luis Castillo, do bairro La Meseta, que fica na parte alta do município, explica que a água, que vem da parte baixa, não recebe pressão suficiente para subir.
Embora, de acordo com Castillo, a maioria dos moradores de La Meseta trabalhe nas petroleiras, a infraestrutura do bairro não é adequada: também falta acesso à rede de gás e esgoto. A comunidade frequentemente bloqueia as estradas que cortam Añelo, fundamentais para a indústria, para pressionar por soluções, o que aconteceu pela última vez no fim de maio.
Gás “não é ‘combustível ponte’ para transição energética”
Outra das graves consequências do fracking são as significativas emissões de gases de efeito estufa. Elas ocorrem tanto nas etapas de produção dos recursos não convencionais, como na atividade do maquinário pesado utilizado nas operações e na intensa movimentação de veículos de transporte.
Há as chamadas emissões “fugitivas” de metano no fraturamento hidráulico, que se dão, por exemplo, nos momentos da injeção de fluidos nos poços e de sua volta à superfície (a “água de retorno”) para a extração do petróleo ou gás. Na produção convencional também acontecem emissões fugitivas de metano e outros gases, mas estudos científicos apontam que elas podem ser maiores com o fracking.
O metano tem um potencial de reter calor e aquecer a atmosfera 27 vezes maior que o CO2 em um horizonte de cem anos. Já há um compromisso de reduzir as emissões globais desse gás de efeito estufa em 30% até 2030, assinado pelo Brasil, Argentina e outros cerca de 100 países na Conferência do Clima das Nações Unidas de 2021, a COP26.
Um estudo de 2019 constatou que, durante a década anterior, a produção de gás não convencional – ou seja, via fracking – na América do Norte pode ter contribuído para mais da metade do aumento das emissões oriundas de combustíveis fósseis em todo o planeta e para aproximadamente um terço da elevação de emissões globais de todas as fontes de gases de efeito estufa no mesmo período.
Na visita a Neuquén que a Pública acompanhou, a organização norte-americana EarthWorks utilizou uma câmera infravermelha que detecta imagens de emissões fugitivas de cerca de vinte tipos de gases, entre eles, o metano e compostos orgânicos voláteis (VOCs, na sigla em inglês), todos não identificáveis a olho nu. Os VOCs são considerados poluentes perigosos para a saúde; alguns são tóxicos. Filmagens foram feitas em diversas plantas de produção e campos de exploração convencional e não convencional.
As emissões em operações de produção de petróleo e gás são consideradas previsíveis, mas precisam ser reguladas e fiscalizadas pelos governos para que seus efeitos sejam minimizados. “Você está num lugar e a olho nu não vê nada. De repente, pela câmera, parece que a estrutura está pegando fogo. Temos que usar esses mecanismos para pressionar os governos [por mais fiscalização]. E também como evidência em casos judiciais”, explica a termógrafa da EarthWorks Patricia Rodriguez, certificada para operar a câmera, também utilizada pela indústria.
Com as imagens filmadas pela câmera da EarthWorks em Vaca Muerta, a intenção, de acordo com Fernando Cabrera Christiansen, da Opsur, é contrapor o discurso do governo argentino de que o gás é um “combustível de transição” por normalmente emitir menos carbono do que a queima de carvão ou petróleo.
“Há uma velha versão, criada por empresas norte-americanas, que estabelece que o gás é um combustível menos nocivo para as mudanças climáticas, e que por isso é uma ponte para a transição energética”, aponta. “Mas há muitas emissões em diversas etapas da cadeia de produção do gás. O gás não é um ‘combustível ponte’. Com as imagens da EarthWorks, vemos que na infraestrutura de produção de gás há permanentes perdas de metano, um gás de efeito estufa muito mais forte que o CO2”.
Fonte: Via apublica.org