Autores: Gabriel Máximo.
“Invocando, como nunca antes, a proteção divina, declaro aberta esta sessão”. Foi assim, entre risos dos colegas, que o senador Otto Alencar (PSD-BA) iniciou em 13 de dezembro a reunião de instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigará no Senado a extração de sal-gema em Maceió (AL) pela petroquímica Braskem. Por ser o integrante mais velho, com 76 anos, coube ao parlamentar baiano a presidência da sessão inaugural do colegiado.
A brincadeira não foi em vão. O afundamento de bairros da capital alagoana é considerado por pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) como o maior desastre ambiental urbano do país. Em março de 2018, foram registrados os primeiros tremores de terra causados pela atividade da Braskem. A empresa operava, desde 1970, 35 poços de extração de sal-gema, mas teve sua atuação suspensa em 2019 por causa dos abalos. Segundo o Ministério Público Federal, mais de 14 mil imóveis foram afetados e mais de 60 mil pessoas foram retiradas de suas casas.
Em razão dos danos ambientais causados pela mineração, em 5 de dezembro, a Braskem foi multada em mais de R$ 72 milhões pelo Instituto do Meio Ambiente de Alagoas. Em julho, a petroquímica já havia feito um acordo que estabelece o pagamento de R$ 1,7 bilhão à prefeitura de Maceió, em contrapartida às indenizações e exclusão de cobranças de impostos sobre os imóveis afetados. Com esse acordo, a empresa passa a ser proprietária dos terrenos abandonados pelos moradores. A prefeitura avalia pedir nova indenização.
O caso também é alvo de embates entre adversários ferrenhos da política alagoana. De um lado, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), ex-presidente do Senado e autor do requerimento de CPI, e seu aliado, o governador do estado, Paulo Dantas (MDB), questionam o acordo e querem a ampliação das indenizações. Já o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), apadrinhado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defende a manutenção do tratado.
É com esse pano de fundo, e depois de uma reunião sem solução mediada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em dezembro, que reuniu todos os políticos envolvidos, que a CPI foi instalada. Por aclamação, os senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Jorge Kajuru (PSB-GO) foram eleitos presidente e vice-presidente da comissão, respectivamente. O primeiro, inclusive, já presidiu outro colegiado de grande repercussão: o que investigou, em 2021, os crimes da pandemia de Covid-19. Os trabalhos da CPI da Braskem, como foi denominada, no entanto, só começarão em fevereiro de 2024, após o recesso parlamentar. O relator ainda não foi escolhido. Essa é a sétima CPI instalada no Congresso em 2023.
Índice do Conteúdo
Por que isso importa?
- Uma CPI, ou Comissão Parlamentar de Inquérito, é uma ferramenta importante em sistemas parlamentares para investigar questões de relevância pública e que servem ao aprimoramento da democracia
- Levantamento da Agência Pública mostra que apesar da grande pressão política, algumas das CPIs do ano passado terminaram sem indicar culpados mesmo após meses de investigação ou sequer tiveram seus relatórios finais votados
A Câmara foi responsável por 4 das 7 comissões de inquérito do Congresso no ano passado. Desse total, duas terminaram sem apreciação do relatório final, a das Apostas Esportivas e a do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Também em 2023, além das sete CPIs instaladas, os deputados coletaram o número mínimo de assinaturas, 171, para a criação de outras sete comissões. Entretanto, todas ainda aguardam a leitura do requerimento de instalação pelo presidente da Casa, passo obrigatório para o início dos trabalhos. Além disso, a instalação desses colegiados depende também da articulação política dos parlamentares, principalmente dos líderes partidários, e da percepção de que há clima favorável na Casa para o início dos trabalhos.
CPIs em compasso de espera para 2024
- Investigação sobre supostas irregularidades envolvendo empresas que “comercializam passagens promocionais, hospedagens e serviços similares”, de autoria do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS);
- O deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) propôs uma investigação, em 120 dias, sobre “o aumento de uso de crack, tráfico e crimes conexos no país desde o ano de 2016”;
- O tráfico infantil e a exploração de crianças e adolescentes no Brasil também pode ser alvo de investigação na Câmara. O requerimento, de autoria do deputado Fernando Rodolfo (PL-PE) conta com o apoio majoritário de parlamentares da oposição, mas também de alguns integrantes da base governista;
- Outra aposta da oposição é a instalação de um colegiado para investigar a “violação de direitos e garantias fundamentais, a prática de condutas arbitrárias sem a observância do devido processo legal, inclusive a adoção de censura e atos de abuso de autoridade, por membros do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal”. O requerimento é de autoria do deputado Marcel van Hattem (NOVO-RS);
- Ainda na área de segurança pública, o deputado Alfredo Gaspar (União Brasil-AL) também propôs investigar “o crime organizado e sua relação com o crescimento do número de homicídios e atos de violência” no país;
- E duas têm relação com o setor energético. O deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) propôs investigar possíveis violações de preceitos legais “por Concessionárias de Distribuição de Energia Elétrica, para indeferir pedidos de conexão de Micro e Minigeração Distribuída (MMGD)”. Já o deputado Ícaro de Valmir (PL-SE) requer um colegiado para investigar a renovação do contrato de fornecimento de energia das empresas Âmbar Energia e a Karpowership no Brasil.
Relembre cada uma das CPIs de 2023 e seu desfecho
- CPI das Pirâmides Financeiras
A comissão foi instalada em 13 de junho e buscava investigar o mercado de criptomoedas, já que 11 empresas eram acusadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de realizar fraudes com moedas digitais, além de divulgar informações falsas para atrair suas vítimas. O colegiado foi presidido pelo deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) e teve relatoria do deputado Ricardo Silva (PSD-SP). Durante os 118 dias de funcionamento, foram ouvidos o Ministério Público Federal (MPF) e representantes das empresas, como o sócio da GAS Consultoria & Tecnologia, Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como “faraó dos bitcoins”.
O colegiado encerrou seus trabalhos em 9 de outubro com aprovação unânime do relatório final. O parecer recomendou o indiciamento de 45 pessoas por “fortes indícios” de participação em esquemas de pirâmides financeiras, dentre elas o ex-jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho, garoto-propaganda da 18K Ronaldinho, e de sócios da 123milhas. Além disso, o documento também sugere 4 projetos de lei, como o que especifica o crime de pirâmides financeiras e outro que regulamenta a publicidade de criptoativos. Depois da conclusão dos trabalhos, o relatório foi entregue ao Ministério da Justiça e Segurança Pública em 17 de outubro.
Criada com o objetivo de investigar o rombo de 20 bilhões na varejista, a comissão foi instalada em 17 de maio e teve seu encerramento em 26 de setembro. Os trabalhos foram presididos pelo deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE) enquanto a relatoria ficou sob responsabilidade do deputado Carlos Chiodini (MDB-SC).
O colegiado terminou sem indicar responsáveis pela fraude financeira. Segundo o próprio relatório final, as provas obtidas “não se mostraram suficientes para a formação de um juízo de valor seguro o bastante para atribuir a autoria e para fundamentar eventual indiciamento”. Assim, o parecer não sugeriu indiciamento da antiga direção da Americanas ou ao seu trio de acionistas principais, os empresários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, que não foram ouvidos, assim como Miguel Gutierrez, que ficou à frente da companhia por 20 anos.
Chiodini também sugeriu em seu parecer quatro projetos de lei com o objetivo de combater crimes na gestão empresarial e aperfeiçoar o mercado de capitais no país. O relatório final da CPI foi encaminhado à Polícia Federal (PF), ao Ministério Público Federal (MPF) e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
- CPI das apostas esportivas
Em 14 de fevereiro, o Ministério Público de Goiás deflagrou a Operação Penalidade Máxima, para investigar um esquema de manipulação em jogos da Série B do Campeonato Brasileiro de Futebol de 2022 para favorecer apostadores esportivos. Mesmo com a investigação do MPGO em curso, deputados decidiram instaurar uma CPI para apurar o caso. O colegiado foi instalado em 17 de maio com prazo inicial de 120 dias. O deputado Julio Arcoverde (PP-PI) foi escolhido como presidente da comissão, enquanto a relatoria ficou a cargo do deputado Felipe Carreras (PSB-PE).
Em agosto, os deputados aprovaram um requerimento para que o prazo para conclusão dos trabalhos fosse estendido em 60 dias, mas o pedido foi negado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que só permitiu o funcionamento por mais 12 dias. Em todo o período, a comissão ouviu jogadores investigados pelo esquema, representantes das casas de apostas e de empresas ligadas ao marketing esportivo, além de dirigentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Em seu relatório final, Carreras apontou que a CPI “não vislumbrou a existência de indícios suficientes de autoria e de materialidade de ilícitos que justificassem novos indiciamentos, seja por ação ou omissão”. Assim, sem coletar provas suficientes para propor a responsabilização de envolvidos no caso, o documento sugeriu quatro projetos de lei visando combater a manipulação dos jogos e a corrupção no esporte. Entretanto, o parecer sequer chegou a ser analisado. Um pedido de vistas coletiva (mais tempo para análise) de integrantes do colegiado impediu que a votação do relatório acontecesse antes do prazo para encerrar os trabalhos da CPI.
Outra comissão criada na Câmara e que teve o mesmo fim foi a que propunha investigar “a atuação do grupo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), do seu real propósito, assim como dos seus financiadores”. A criação foi motivada por ocupações do movimento a fazendas no Sul da Bahia no começo do ano. O colegiado foi presidido pelo deputado Zucco (Republicanos-RS) e teve relatoria do deputado Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente do governo Jair Bolsonaro (PL). À época de sua instalação, em 17 de maio, a CPI era vista como uma aposta da oposição para dar dor de cabeça à administração petista e teve forte pressão da bancada ruralista, como mostrou a Pública.
Durante seus 132 dias de funcionamento, o colegiado ouviu representantes do MST, como o líder João Pedro Stédile, ex-assentados, especialistas em reforma agrária, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), e o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.
Integrantes da comissão também fizeram diligências no interior de São Paulo e no Sul da Bahia. As reuniões tinham embates acalorados e deputados da oposição chegaram a ser maioria na CPI. Entretanto, o que parecia caminhar para uma derrota para o movimento social acabou sendo neutralizado. Partidos da base do governo Lula trocaram membros do colegiado, fazendo com que governistas tivessem maioria.
Assim, o relatório de Salles também não chegou a ser votado. O parecer pedia o indiciamento de 11 pessoas, dentre elas sete integrantes do MST, e sugeria projetos de lei para tentar criminalizar o movimento e alterar regras sobre porte de armas. Integrantes da comissão pediram vista coletiva e, com isso, o documento não foi votado a tempo do encerramento da CPI, que não teve seus trabalhos prorrogados por Lira. Em entrevista à Pública, Stédile já havia antecipado que esse seria o resultado da comissão.
Até a comissão que investigará a Braskem, a única CPI que havia sido instalada no Senado, em 14 de junho, teve o objetivo de investigar a destinação de recursos públicos e financiadores de Organizações Não Governamentais com atuação na Amazônia, esta comissão foi presidida pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM) e teve relatoria do senador Marcio Bittar (União Brasil-AC). O colegiado era formado majoritariamente por parlamentares conservadores e ouviu desde representantes de ONGs a autoridades, como a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. Os senadores também realizaram diligências nos estados do Amazonas, Acre, Pará e Mato Grosso.
Mas o que se viu no relatório final difere bastante da finalidade da CPI. Bittar sugeriu seis projetos de lei com o objetivo de fazer avançar a mineração em terras indígenas, mudar as regras ambientais e a relação de forças entre os Poderes Executivo e Legislativo. Uma das propostas sugere regulamentar “a pesquisa e a lavra de recursos minerais em terras indígenas”, o que é proibido, tem relação com o próprio presidente da comissão, como revelou a Pública.
Um dos instrumentos mais utilizados em CPIs, a quebra de sigilo bancário e telemático, sequer foi utilizado. Segundo o relator, isso não aconteceu, porque não havia o objetivo de “espetacularizar” os trabalhos da comissão. O relatório também pede o indiciamento de apenas uma pessoa, o presidente do ICMBio, Mauro Oliveira. Mesmo divergindo de seu escopo inicial e não tendo encontrado provas concretas do que se propunha investigar, o parecer final foi aprovado na terça-feira (12) por cinco votos favoráveis e três contrários.
A única comissão mista do Congresso, formada por deputados e senadores, foi instalada em 25 de maio depois de uma disputa intensa nos bastidores e buscava investigar a invasão e os ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro por apoiadores do ex-presidente Bolsonaro. A princípio, o governo Lula não queria a criação do colegiado temendo desgastes no início da nova administração petista, mas a possibilidade de que a oposição conseguisse a instalação e impusesse ainda mais derrotas ao governo fez com que o Planalto mudasse de posição.
Assim, os integrantes da CPMI foram indicados pelos partidos, com maioria governista. A presidência dos trabalhos coube ao deputado Arthur Maia (União Brasil-BA) enquanto a relatoria ficou a cargo da senadora Eliziane Gama (PSD-MA). Ao todo foram 146 dias de trabalho, em que foram ouvidos militares, policiais e presos envolvidos com o caso. Como mostrou a Pública, a comissão também recolheu documentos sigilosos para investigar possíveis financiadores dos ataques em Brasília. Era comum durante as reuniões os embates entre parlamentares da oposição e governistas pelo controle da narrativa sobre o 8 de janeiro. Enquanto o primeiro grupo defendia a tese de que o governo Lula teria se omitido no dia dos ataques, o segundo tentava provar a responsabilidade da extrema-direita na incitação à depredação.
O relatório, de quase duas mil páginas, foi aprovado em 18 de outubro, por 20 votos favoráveis e 11 contrários e propôs o indiciamento de 61 pessoas, dentre elas Bolsonaro e o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, por associação criminosa e crimes contra o Estado Democrático de Direito. O documento foi entregue à Procuradoria-Geral da República (PGR), ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Fonte: Via apublica.org