Agronegócio espalha desinformação em prol do Marco Temporal

Autores: Giovana Girardi.

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No mês de maio, quando o Projeto de Lei (PL) 490/2007 foi colocado para votação em regime de urgência na Câmara dos Deputados, as redes sociais da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) foram inundadas com posts em defesa da aprovação do texto, que institui um marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

Até aí, ok. Mais do que sabido que este é um dos temas considerados prioritários pela bancada ruralista do Congresso. O diabo mora nos detalhes – no caso aqui, nos métodos e no conteúdo.

“Se você acha que a aprovação do marco temporal não tem nada a ver com você, presta atenção: a não aprovação impactará diretamente o seu bolso!”, começava um dos posts. “Estamos falando em mais de 1 milhão e meio de empregos perdidos, mais de 360 bilhões de reais em produtos agrícolas que não poderão ser produzidos no país, grande aumento no preço dos alimentos e cerca de 42 bilhões de dólares não gerados por meio das exportações agrícolas. Precisamos do marco temporal para não prejudicar o povo brasileiro!”

Não há fonte de onde veio essa numeralha. Nenhum dado conhecido que poderia ter baseado a narrativa toda trabalhada no medo sobre o suposto impacto que poderia causar a demarcação de mais terras indígenas no Brasil. Mesmo assim, o texto foi parar em tudo quanto é comunicado da FPA, inclusive em posts patrocinados nas páginas oficiais da frente. 

Na ocasião, meu colega Rafael Oliveira fez uma busca na biblioteca de anúncios da Meta, plataforma que procura dar alguma transparência para os conteúdos pagos divulgados nas redes sociais do grupo (no Facebook e no Instagram). Somente no anúncio com as informações acima, a bancada ruralista destinou entre R$ 200 e R$ 299. O valor é pouco para um alcance considerável: algo entre 40 mil e 45 mil impressões (número de vezes que um anúncio aparece em uma tela).

Somente em algumas semanas, foram algumas dezenas de anúncios com conteúdo semelhante impulsionados para ampliar o alcance. Em outro, se dizia: “Diversos estados brasileiros seriam demarcados sem o marco temporal! Estamos falando de áreas com milhares de pessoas, vivendo em propriedades privadas adquiridas legitimamente, que podem ter suas garantias jurídicas em risco”. 

Junto ao texto, havia um mapa em que capitais como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília estavam marcadas como locais que “virariam” terra indígena. De novo, algo entre R$ 200 e R$ 299 foram gastos. Já as impressões foram de 60 mil a 70 mil. De acordo com o levantamento feito pelo Rafael, entre a terceira semana de maio e a primeira de junho, foram destinados entre R$ 3.400 e R$ 4.900 em 15 anúncios, que alcançaram cerca de 1 milhão de impressões.

A cereja do bolo, o vídeo em que a FPA mais investiu dinheiro, foi veiculado na última semana de maio, às vésperas da votação do PL 490 na Câmara. O material narra a história de uma jovem mulher negra que conseguiu conquistar “o sonho da casa própria” após anos de labuta, mas que perdeu tudo porque o bairro onde ela mora, no meio de uma cidade grande, virou terra indígena. Foram destinados entre R$ 700 e R$ 799 nesse anúncio, que angariou ao menos 100 mil impressões.

Esse caso específico e toda essa comunicação ruralista baseada no medo para emplacar o marco temporal foram super bem descritos em uma reportagem publicada nesta semana na revista piauí. Deixo aqui o link para quem quiser se aprofundar. Também volto a recomendar uma outra reportagem que demos aqui na Pública que mostra como o agronegócio e a extrema direita impulsionam máquina de fake news sobre aquecimento global. 

O projeto de lei acabou aprovado na Câmara em 30 de maio. Agora em agosto, ele começou a ser apreciado pelo Senado. A FPA voltou à carga, com um teor um pouco diferente. Desta vez, foram impulsionados posts com falas de senadores ruralistas em defesa do projeto, que agora, na nova Casa, tem o número de PLS 2.903/2023. Por enquanto foram só quatro anúncios, que tiveram cerca de 200 mil impressões. 

A promoção da desinformação, porém, segue outros caminhos. Nesta quarta, 30, à noite, em meio a um jogo de futebol da Libertadores, havia um banner em defesa do marco temporal no meio do “ao vivo” da partida no UOL. O link remetia para um conteúdo pago com pinta de noticioso no mesmo site promovido pela Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa).

Na semana passada, nas mesas dos senadores que participavam da sessão da Comissão de Agricultura e Reforma (CRA) que aprovou o PL 2.903, uma pastinha da FPA trazia os mesmos dados alarmistas dos anúncios. Como era de esperar, o texto foi aprovado com facilidade na CRA e está agora na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). 

Vale reforçar que todo esse esforço de desinformação promovido pelo agronegócio é pago. Quem pagou pela amplificação das publicações no Facebook e Instagram foi o Instituto Pensar Agropecuária (IPA) – organização com “o objetivo de defender os interesses da agricultura e prestar assessoria à Frente Parlamentar da Agropecuária por meio de acordo de cooperação técnica”, como eles mesmos se definem. 

É bem mais que isso, na realidade. O IPA é responsável por elaborar toda a estratégia de ação e de comunicação da bancada ruralista. É a mente que organiza todo o lobby do setor, como detalhei, no ano passado, no podcast Tempo Quente, da Rádio Novelo.

Veja que o IPA é financiado por entidades como Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp). Indiretamente, porém, são empresas que estão por trás da organização. Multinacionais como Cargill, Bunge, Nestlé, JBS e Bayer. Dossiê do “De Olho Nos Ruralistas” destrinchou os financiadores e a atuação do instituto de lobby, que presta suporte técnico, organiza eventos e financia as ações da bancada ruralista no Congresso.

É dinheiro sendo colocado em uma máquina azeitada que promove dúvida, medo e desinformação. No Congresso, esse discurso tem funcionado muito bem, e o texto está avançando. O tema também está sob escrutínio do Supremo Tribunal Federal (STF), empatado em 2 x 2, por enquanto.

Fonte: Via apublica.org

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