Advogada negra chega à Alesp inspirada no funk e na igreja

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A advogada criminalista Paula Nunes, 29, é da safra de jovens políticos que emergiu com as Jornadas de Junho de 2013. Nos protestos contra o aumento da passagem do transporte público em São Paulo, decidiu que enveredaria para a política “para o resto da vida”.

Eleita para a Assembleia Legislativa com a bancada feminista do PSOL, candidatura coletiva mais votada em 2022, a deputada estadual cresceu como uma das raras negras do colégio particular em que estudou no bairro do Tatuapé, na zona leste paulistana.

Despertou para o impacto social do racismo na universidade, onde também era uma das poucas estudantes negras não bolsistas. Ela conta que era um choque dividir a sala com alunos brancos enquanto trabalhadores negros eram responsáveis pela limpeza ou pela segurança do campus.

Paula toma posse na próxima quarta (15). No mandato coletivo estão também Natália Chaves, Dafne Sena, Carolina Iara e Silvia Ferraro, as mesmas que assumiram uma vaga na Câmara de São Paulo há dois anos. Em 2022, elas receberam 259,7 mil votos.

Na Câmara, tiveram 12 propostas aprovadas, como a implementação de um programa contra a violência obstétrica, um fundo de combate à fome e um serviço de atendimento de pessoas com deficiência na rede pública municipal.

A principal pauta da jovem deputada é a segurança pública, especificamente o combate ao genocídio de jovens negros. “Desde a adolescência eu entendi que vivia uma realidade diferente da maioria das pessoas negras,” diz.

Ela desfrutou da estrutura esperada para uma criança de classe média: se dedicou aos estudos e não ao trabalho, praticou esportes e aprendeu outras línguas. Filha de mãe economista e de pai advogado, nasceu em um contexto econômico superior ao de seus avós e de outros familiares.

No colégio, tirava boas notas e gostava de estudar. A questão racial aparecia ora no conselho da mãe (“você precisar ser duas vezes melhor que o resto das pessoas”), ora nas orações: “Lembro de perguntar, assim, na conversa com Deus, por que eu tinha nascido com essa cor, que era diferente da dos outros”.

“Professores questionavam minha habilidade, minha inteligência, tenho flashes disso. Mas, adolescente, eu não tinha refletido sobre o que isso significava”.

Primogênita e com dois irmãos, sempre conviveu com pessoas mais velhas —aprendeu a ler sozinha e pulou um ano no colégio. Seu primeiro espaço de atuação social foi a igreja. Ela comandou por anos um grupo de jovens católicos que realizava ações de caridade em comunidades vulneráveis, orfanatos e asilos.

Paula enxerga a religião como uma ferramenta de assistência social, mas mantém alguns rituais, como frequentar a missa da Igreja Rosário dos Homens Pretos da Penha, construída por escravos no século 19 e que permanece intacta no mesmo local.

Embora eleita com a bandeira do feminismo, o que parece movê-la é a defesa pela dignidade da juventude negra.

Foi no grupo católico que descobriu sua vocação. As quermesses que organizava se tornaram grandes eventos na zona leste, atraindo de fiéis a funkeiros, vários dos quais começavam a despontar na cena musical paulista.

Além de entrar em contato com a música, a jovem deparou com vidas e carreiras interrompidas sem justificativa. Como a de MC Daleste, cantor baleado em um show há dez anos. A investigação do assassinato foi concluída sem apontar um culpado.

“Foi uma coisa que me sensibilizou muito. Comecei a me aproximar, a partir do movimento negro, das mães que tiveram seus filhos perdidos para a violência policial”, diz. “Passei a entender que a advocacia poderia ser um instrumento da garantia dos direitos dessa população, e o direito penal virou o meu tema.”

Na universidade entrou em contato com os movimentos negros e feminista, este considerado por ela pouco diverso. “Na PUC, conheci um outro tipo de riqueza. Foi quando eu entendi que burguesia existia, porque meus colegas tinham sobrenome de marcas.”

Também integrou a luta por cotas em universidades públicas e se envolveu em um comitê contra o genocídio negro. “A partir desses dois eixos, entendi que não bastava só lutar pela entrada dos negros na universidade. Isso não seria possível se os negros não estivessem vivos”, diz.

Toda a sua carreira, a partir daí, foi pautada pela defesa dos direitos humanos. Estagiou com adolescentes da Fundação Casa, trabalhou em uma ONG internacional e advogou pelas mães que tiveram filhos assassinados.

Para organizar sua militância com estratégias de longo prazo, filiou-se ao PSTU em 2012, aos 19 anos. Poucos meses depois veio junho de 2013, divisor de águas para Paula e a política nacional.

“Junho me mostrou que a partir da mobilização popular é possível ter conquista. Entendi como era importante se colocar no mundo como um sujeito coletivo e tive a sensação de ‘é o que eu quero fazer para o resto da minha vida’.”

Junto com a vitória contra o aumento veio o prenúncio do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).

Diante da ascensão da direita, uma corrente do PSTU ficava cada vez mais insatisfeita com a posição do partido, que se manteve como oposição da esquerda ao PT mesmo no ápice da crise do governo Dilma. Cerca de um terço da legenda migrou para o PSOL em 2017, incluindo Paula.

A bancada feminista é toda formada por políticas da chamada corrente Resistência, que na esfera nacional apoia o governo Lula, mas defende a independência do partido.

A psolista atribui a esse barulho a votação expressiva da bancada. Com pouco recurso, a campanha percorreu o estado com uma Kombi amarela, que parou para mais de 200 bancas de diálogo.

O apoio de artistas e influenciadores, como Luísa Sonza, Emicida e Bruna Linzmeyer, ajudou a impulsionar a candidatura nas redes sociais.

Paula refuta a percepção de que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), eleito com o apoio do ex-presidente, seja um bolsonarista “não raiz”.

“Até poderia acreditar nisso não fossem suas nomeações”, diz, referindo-se a Guilherme Derrite, da Segurança Pública, “um adorador de Olavo de Carvalho”, e Sonaira Fernandes, da Secretaria da Mulher, para a qual o feminismo é a “sucursal do inferno”.

A bancada, naturalmente, era oposição declarada à Sonaira na Câmara. “Nosso mandato vai ser um polo permanente de oposição”, diz a eleita, que enxerga a candidatura coletiva como um reduto para abrigar movimentos sociais.

Ela não titubeia ao falar sobre o modelo social e econômico que defende. “As pessoas acham que não se deve mais falar sobre socialismo hoje, mas eu não tenho nenhum problema em falar, é nisso que acredito realmente, em igualdade e na busca de uma sociedade sem divisão de classe”.

Autor(es): PAULA SOPRANA / FOLHAPRESS

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